À boleia do vírus...
Neste momento, em que prolifera o aproveitamento do combate à epidemia para atacar direitos, o papel dos profissionais da comunicação social (também eles alvo de ataques aos seus direitos) ganha importância. Com a adopção de medidas como a generalização do teletrabalho, eles próprios vêm-se confrontados com novos patamares de degradação das suas condições de trabalho (nomeadamente o aprofundamento da completa desregulação dos horários).
Nas últimas semanas houve pelo menos dois altos responsáveis por dois dos principais jornais nacionais que escreveram frases inquietantes nos seus textos: se um previa que a epidemia pudesse servir para alterar a forma como trabalhamos, derrubando «resistências» naturais à mudança, outro deixava um aviso também com laivos proféticos: agora que os jornalistas que dirige estavam a trabalhar permanentemente a partir de casa, o difícil seria não o fazerem 24 horas por dia, 7 dias por semana. Apesar, ou por causa desta realidade vivida pelos profissionais do sector, a imensa campanha de denúncia da autêntica lei da selva que sectores do patronato têm procurado impor a pretexto da epidemia tem sido largamente ignorada pela generalidade da comunicação social.
Quando sabemos da dimensão dos ataques aos direitos dos trabalhadores (mais uma vez, incluindo os das redacções), é gritante o silêncio com que foi tratada a conferência de imprensa do PCP desta segunda-feira – e mostra também o custo de ter órgãos de comunicação social nas mãos de grupos económicos que não imitam apenas as práticas dos sectores mais agressivos do patronato, mas muitas vezes os integram. Esta realidade explica muitas das opções a que assistimos recentemente, da opção pela notícia sensacionalista, do rol das celebridades infectadas com o vírus (para alimentar a tese da democraticidade da doença, como se a condição social e económica de quem a contrai fosse, em tantos países do mundo, indiferente no acesso aos cuidados médicos) às mais abstrusas e gritantes fake news (ainda alguém se lembra da fotografia – falsa! – dos bares do Cais do Sodré cheios na semana passada, que muito terá ajudado para construir a ideia de que eram necessárias drásticas de restrição ou mesmo liquidação de direitos?).
Nas próximas semanas, com uma parte muito significativa do nosso povo em situação de isolamento, a comunicação social deveria desempenhar um papel crucial. Mas não podemos esperar que esteja do lado dos direitos quando trata os seus trabalhadores de acordo com as piores práticas, nem que jornalistas cujas condições de trabalho se vêem degradando, e agora a ritmo acelerado, sejam capazes de escrever notícias com a objectividade, o rigor e a verdade que tão necessárias são.
Pelo contrário, cada vez mais assistimos a noticiários feitos com recursos abaixo dos mínimos, em que por vezes o protagonismo de quem os apresenta parece importar mais do que a verdade do que se relata. O combate a isto faz-se defendendo e valorizando o trabalho e os trabalhadores, também neste sector.