Direitos Humanos

Luís Carapinha

A democracia nos EUA é cada vez mais apenas formal

O imperialismo norte-americano persiste em utilizar a famigerada questão dos direitos humanos como pretexto para a ingerência, desestabilização e operações de mudança de regime por todo o mundo, consoante as prerrogativas da agenda estratégica e o imperativo da manutenção da sua hegemonia. Desiderato inseparável dos grandes interesses monopolistas assentes no regime de propriedade [privada] e do domínio do grande capital financeiro. São estes que conformam o sistema de poder com sede em Washington. Mas, se em vez de apontarem o dedo aos países cujo curso e ordem interna tratam de subverter, os EUA olharem para dentro encontrarão um quadro desolador.

A degradação dos direitos humanos dá-se em dois grandes eixos. Por um lado, assiste-se a um maior esvaziamento da democracia representativa (burguesa), comum a todo o mundo capitalista. Nos EUA cada vez mais esta se mostra como aquilo que é: uma democracia formal desprovida de verdadeira substância. O mito estafado da liberdade já não dá para o ocultar. Por outro, à intensificação do desprezo e à ausência dos direitos económicos e sociais básicos, como se estes não fossem parte constitutiva intrínseca da dignidade humana, conforme consagrado na Declaração Universal dos Direitos Humanos proclamada pela ONU. Nesta frente, os EUA encontram-se na vanguarda. À escala internacional, a desmontagem dos direitos sociais e económicos tem sido um dos grandes cavalos de batalha do capitalismo ao longo das últimas décadas com a imposição do modelo e políticas neoliberais.

Um relatório sobre as violações dos direitos humanos nos EUA, divulgado recentemente pela China, vem chamar a atenção para os factos que sustentam esta realidade praticamente ignorada pela grande agenda mediática. Atenha-se apenas a algumas das linhas deste registo: [no farol da democracia] as eleições converteram-se num «jogo de dinheiro» dirigido pelos mais ricos – nas eleições de meio-termo para o Congresso de 2018 foram gastos 5700 milhões de dólares; está a ser criado um sistema de «vigilância total de toda a sociedade» e a actual Administração montou o «maior ataque directo à liberdade de imprensa da história americana»; o número de massacres com armas de fogo atingiu um recorde em 2018, a maioria dos actos de terrorismo está ligada a expressões de racismo do supremacismo branco; o coeficiente de Gini (que mede o nível de desigualdade), de 0.485 em 2018, é o maior dos últimos 50 anos, a polarização é estrutural e os EUA ostentam o maior fosso entre ricos e pobres entre os países desenvolvidos; 40 milhões de norte-americanos vivem na pobreza e milhões passam fome, os índices de pobreza infantil são obscenos; os EUA não dispõem de um serviço universal de saúde, 65 milhões de cidadãos adultos não procuram assistência médica por falta de meios; os direitos à saúde, educação e segurança social estão em quebra; no país campeia a violência contra a mulher. A que se soma: «os EUA são a nação mais belicista da história, tendo gasto $6.4 biliões nas guerras que lançou desde 2001». Lógica implacável que se afirma hoje no recrudescimento das sanções em tempos de pandemia.

Haveria que acrescentar a ofensiva anti-sindical, a precariedade generalizada e o desemprego, que está de regresso em força com o crash bolsista e a virtual recessão, catalisados pela emergência do COVID-19.




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