Por uma rede de creches gratuitas que assegure as necessidades das crianças e dos pais
FUTURO Encontrar vaga numa creche a preço acessível é uma dor de cabeça para muitas famílias. O mais provável é que seja mesmo uma impossibilidade. Uma realidade que o PCP quer alterar através da criação de uma rede pública de creches gratuitas.
As vagas em creches cobrem menos de metade das necessidades
A proposta nesse sentido deu já entrada no Parlamento e motivou, no passado dia 23, no Auditório da Junta de Freguesia da Baixa da Banheira, a realização de um «Encontro com Pais», em que participou o Secretário-geral do PCP, onde o tema foi aberta e amplamente discutido.
A proposta, formalizada em projecto de resolução, consiste na criação de pelo menos 100 mil vagas na rede pública de creches gratuitas e no estabelecimento de soluções transitórias que garantam essa gratuitidade às crianças nascidas a partir de 2020, quer seja em IPSS quer seja através de outras soluções (amas da Segurança Social, creches familiares, por exemplo) até à existência da rede pública.
Durante mais de hora e meia, foram relatos vivos sobre situações, experiências, casos e vidas concretas aqueles que se ouviram e que moldaram esta iniciativa.
Descrições feitas por quem sente na pele problemas como o da falta de vagas nas creches (estima-se que as existentes cobrem menos de metade das necessidades), o elevado custo das mensalidades, a desregulação dos horários laborais, o excesso de horas de trabalho, o desrespeito pelos direitos dos trabalhadores.
Essas foram abordagens que deram um importante contributo para a reflexão colectiva e que enriqueceram esta sessão, que decorreu sob o lema «Pelo direito à creche gratuita para crianças até aos três anos», com a presença de cerca de meia centena de pessoas.
Além de Jerónimo de Sousa, na mesa encontravam-se Vasco Paleta, da DORS (que dirigiu os trabalhos), Rui Garcia, presidente da Câmara Municipal da Moita, Paula Santos, deputada na AR, e Margarida Botelho, da Comissão Política.
A importância e o lugar que este tema ocupa nas prioridades de acção do PCP ficaram bem patentes logo na primeira intervenção de Jerónimo de Sousa, com a qual abriu o debate, ao sublinhar que a criação da rede de creches gratuitas «é uma opção que não pode mais ser adiada» e que «as crianças necessitam desta resposta social, com qualidade».
E estando por saber até onde irá a proposta apresentada pelo PCP, que «tem implicações orçamentais», uma coisa é dada como certa: «já valeu a pena, porque não vai ficar tudo na mesma». Disse-o Jerónimo de Sousa, convicto que está de que o Governo, o próprio PS e outras forças políticas – e esse é também um mérito da proposta -, já não podem ignorá-la, ainda que a procurem «minimizar e reduzir o seu impacto».
«Trouxe ao debate outras forças políticas» e obrigou-as a «dizer qualquer coisa», sublinharia mais adiante Paula Santos, segura de que foi em «boa hora que o Partido colocou o assunto na ordem do dia», reflectindo bem o seu «conhecimento da realidade».
A ideia de que as crianças devem estar no «centro das atenções da sociedade», foi um princípio muito sublinhado por vários oradores e muito em particular pelo líder comunista, que referiu que «quanto maior for o desenvolvimento integral que lhes possamos oferecer «melhores perspectivas de desenvolvimento e progresso pode ter o nosso País».
O direito de decidir
Já a consagração na Constituição da obrigação do Estado proteger a infância e a velhice serviu de mote a Jerónimo de Sousa para considerar que essa «norma avançada» não é dissociável da Constituição laboral, que trata dos direitos dos trabalhadores, no caso vertente dos direitos dos pais das crianças».
Jovens gerações de trabalhadores a quem, no entanto, tem sido negado o direito a um projecto de vida, à sua liberdade e realização pessoal. E por isso o líder do PCP reafirmou a necessidade de assegurar às jovens gerações o «direito de decidir de ter ou não ter filhos, quantos e em que momentos das suas vidas».
As famílias têm um «papel insubstituível na vida das crianças, que não pode ser questionado», insistiu, argumentando que esse papel «só pode ser apoiado», atendendo até ao problema da baixa taxa de natalidade.
Daí o papel que cabe ao Estado no sentido de garantir que todas as crianças e jovens tenham as mesmas condições para crescer saudáveis e felizes, independentemente do contexto em que nasceram. O que passa, por exemplo, por garantir a gratuitidade dos manuais escolares no ensino obrigatório (como já foi conseguido pelo PCP), pela garantia do médico e enfermeiro de família a todos os agregados familiares com crianças, pela existência de pediatras nos cuidados primários de saúde, mas também pela resolução de problemas urgentes como seja o da criação de uma rede pública de creches.
«Da nossa parte não vamos desarmar», foi a garantia deixada por Jerónimo de Sousa, convicto de que isto vai ser um «combate permanente», agora no debate Orçamento mas também para além deste, ao longo da Legislatura.
E deixou um compromisso de honra aos presentes, a todos os pais e mães, a todas as crianças: «não vamos desistir deste objectivo! Não é apenas uma causa, é um direito fundamental e é do futuro que estamos a tratar».
Exploração desenfreada
Rejeitada de forma unânime pelos intervenientes foi a ideia muito difundida segundo a qual o que faz falta é alargar o horário das creches (ver caixa). «A solução não é essa», afirmou, categórico, Jerónimo de Sousa, defendendo que a solução está é na «redução da carga de trabalho, num quadro de respeito pelos direitos dos trabalhadores, no combate à precariedade, no acesso a serviços públicos de qualidade e de proximidade, para que a nossa sociedade seja amiga das crianças».
Infelizmente, não tem sido esse o panorama que tem caracterizado o nosso País, constatando-se, ao invés, que a realidade familiar é determinada e largamente prejudicada por relações laborais alicerçadas na exploração de quem trabalha.
É uma «realidade generalizada e de uma violência inaceitável que se repercute na negação dos tempos necessários para acompanhar, criar e viver crescer os filhos», lamentou Jerónimo de Sousa, frisando que este é um «direito dos trabalhadores que não pode continuar a ser alienado, porque viola, nega os direitos das crianças e jovens, nega a Constituição da República».
Ainda a este propósito, aludindo à vivência de diferentes gerações, anotou que hoje, «de uma forma mais refinada, mais sofisticada, os trabalhadores são vítimas de um grau de exploração imenso, em que a questão da precariedade e dos baixos salários determinam as suas vidas».
«O meu avô nasceu numa época antiga, o meu neto nasceu numa época diferente. Corremos o risco de que esta nova geração de trabalhadores encontre tantas dificuldades como as gerações passadas», alertou o Secretário-geral do PCP, sustentando que isso tem uma causa funda: «o desrespeito pela Constituição, o desrespeito pela dignidade de quem trabalha, a desvalorização que se faz hoje do trabalho, esta incerteza, esta precariedade que aflige centenas de milhares de trabalhadores, muitos deles com o SMN, com rendimentos muito baixos».
Desregular horários é retroceder
A relação existente entre os horários laborais desregulados e a pressão para alargar os horários de funcionamento das creches para 12 horas e mais, e até para a sua abertura aos fins-de-semana, foi denunciada e alvo de severas críticas por diversos intervenientes.
Esta é uma realidade que Margarida Botelho não hesitou em classificar de «assustadora». «O progresso não é os filhos, os bebés, as crianças fazerem horários tão maus como os dos pais. O progresso é os pais, os trabalhadores fazerem menos horário de trabalho, horários mais regulados», afirmou, realçando que levar os bebés para o trabalho e «pô-los debaixo da bancada era uma coisa que se usava na indústria conserveira em Setúbal no início do século XX, não é uma coisa que queiramos replicar no século XXI».
Daí a preocupação por si manifestada pelo facto de no Programa do Governo, a propósito da falta de creches, estar expresso um incentivo às «empresas de mão-de-obra intensiva» para que sejam estas a encontrar solução para o problema. Quiçá, para que as crianças pernoitem na creche enquanto os pais cumprem o horário nocturno...
«Horários atípicos», chama-lhes o Governo. «Não é disso que estamos a falar quando falamos de uma rede pública de creches», esclareceu Margarida Botelho.
Ajuda dos avós obsta dramas maiores
O papel dos avós foi muito realçado na sessão. A importância que estes assumem no acompanhamento das crianças foi destacado pelo presidente da União das Freguesias de Vale da Amoreira e Baixa da Banheira, Nuno Cavaco, que observou no entanto que as pessoas trabalham até cada vez mais tarde, «têm outro tipo de problemas», e, por conseguinte, os próprios avós enquanto estrutura familiar de apoio «têm hoje mais dificuldades» nessa ajuda aos netos.
Nessa medida, na sua perspectiva, não basta o incremento da creche gratuita para resolver os problemas com que se confrontam os pais jovens trabalhadores. Fundamental é também «aprovar e aplicar outras medidas que o PCP tem vindo a propor», como por exemplo as dirigidas à melhoria dos transportes ou à revogação das normas gravosas da legislação laboral, defendeu o autarca.
Margarida Botelho retomou a questão dos avós para lembrar que as mulheres têm em geral reformas mais baixas do que os homens. O que tem a ver «com uma carreira contributiva em geral com salários mais baixos», lembrou, mas também com esse outro fenómeno que é o de em geral serem as «mulheres, quando há necessidade de apoio à família (seja dos netos seja dos seus pais velhinhos), que acabam em final de carreira contributiva por ir para a reforma, mesmo com penalização, para ajudar os filhos e os netos».
E talvez seja isto, adiantou a dirigente comunista, que «ajude a explicar como é que, havendo tanta falta de vagas nas creches, não haja dramas ainda maiores».
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«Os preços praticados [nas creches] colocam dificuldades às famílias mais vulneráveis. (...) São tão elevados que acabam muitas vezes por levar um dos progenitores a deixar de trabalhar para cuidar da criança.»
Vanessa Borges, professora de música
«Muitas empresas não cumprem as leis, não respeitam as pessoas, alteram os horários dos trabalhadores, descontam no salário as idas ao médico. Nestas condições as mulheres não podem ter filhos.»
Maria Fernanda, trabalhadora da hotelaria
«Há mulheres que saem às cinco da manhã de casa e regressam às 11 da noite, o que as leva a não terem filhos ou a não os poderem acompanhar.»
Vivina Nunes, vereadora da Câmara Municipal da Moita
«Os berçários e as creches são um negócio – e esse é o problema.»
Débora Santos
«Para muitas instituições do sector social (que não vêem as creches como um negócio) a integração na rede pública pode ser a resposta aos seus problemas.»
Vítor Hugo, responsável pelas escolas da Voz do Operário na Margem Sul
«Há mães que não conseguem procurar emprego porque não têm onde deixar o filho.»
Inês Constança, educadora de infância
«Os partidos da política de direita defendem a desresponsabilização do governo, atirando a resposta para as IPSS, encargos para as autarquias.»
Paula Santos, deputada do PCP
«É a existência de uma rede familiar mais informal que explica que os dramas não sejam maiores.»
Margarida Botelho, membro da Comissão Política do PCP