A árvore e a floresta

Filipe Diniz

Os media dominantes andam escandalizados com a desmesurada riqueza acumulada por algumas pessoas, mas há um prudente silêncio relativamente ao sistema em que tal fenómeno prospera.

É certo que a questão não tem resposta simples nem muito menos qualquer esquematismo a esclarecerá. O fenómeno não é exclusivo de países que se assumem como capitalistas, mas trata-se de fenómenos que a evolução do capitalismo nas últimas décadas acelerou exponencialmente.

Veja-se a questão da desigualdade. Dados do World Inequality Report 2018 (https://wir2018.wid.world/): o rendimento dos 10% mais ricos disparou em todo o lado (de forma mais acelerada na Rússia dos anos 90), mas esse crescimento teve expressão diferenciada após a 1.ª década do século, nomeadamente com desaceleração na Rússia e China, aceleração exponencial na Índia, ritmo idêntico nos EUA e UE. Entre 1980 e 2016 o 1% mais rico capturou 27% do crescimento total, aos 50% mais pobres coube 12%.

A essa concentração de riqueza corresponde inevitavelmente o alastramento da pobreza. E, sendo o capitalismo o que é, tende em todos os aspectos a reorganizar-se em função desses abastados 1% (ou mesmo 10%) e a excluir todo o resto. É isso que se passa com a prosperidade das indústrias do luxo e a degradação da assistência à saúde ou da educação, a especulação e as bolhas imobiliárias nas cidades e os 150 milhões (2% da população mundial) de sem-abrigo, a duplicação dos lucros da Gucci nos EUA, onde o número de pessoas em situação de pobreza absoluta é superior aos da Serra Leoa e Nepal e igual ao do Senegal.

Uma das coisas que esses privilegiados possuem é os grandes media. Se, de vez em quando, têm que pegar em alguma coisa, procuram que um caso isolado seja a árvore que esconde a floresta.




Mais artigos de: Opinião

Cérebro, chumbo e pobreza

O jornal Público divulgou há dias (14 de Janeiro) um estudo que refere que «a exposição ao chumbo pode estar associado a défices cognitivos», acrescentando que «a pobreza tem impacto no cérebro». O estudo é de uma equipa coordenada por Elizabeth Sowell (da Universidade do Sul da Califórnia) a partir de testes...

Papagaios de papel

Os acontecimentos decorrentes da acção das autoridades angolanas a propósito de Isabel dos Santos, assim como o apuramento de alegados actos que lhe são atribuídos, despertou recalcadas pulsões coloniais e neocoloniais. Há os que por posicionamento original nunca se conformaram com a luta de libertação do povo angolano...

(In)Dignidade

Uma petição pública para a legalização das casas de prostituição recolheu quatro mil assinaturas e foi entregue há dias na Assembleia da República, que terá agora de agendar um debate sobre esta matéria. Promovida por um alegado «movimento cívico» que teve como rosto uma «acompanhante de luxo» dona de uma casa de...

Um ano de Guaidó

Há um ano, a 23 de Janeiro, Juan Guaidó autoproclamou-se como «presidente» da Venezuela, um novo patamar na já longa conspiração do imperialismo para vergar a Venezuela bolivariana e retomar o controlo imperialista do país e das suas imensas riquezas. O ano de 2019 demonstrou bem quem é o homem de mão da Administração...