A árvore e a floresta
Os media dominantes andam escandalizados com a desmesurada riqueza acumulada por algumas pessoas, mas há um prudente silêncio relativamente ao sistema em que tal fenómeno prospera.
É certo que a questão não tem resposta simples nem muito menos qualquer esquematismo a esclarecerá. O fenómeno não é exclusivo de países que se assumem como capitalistas, mas trata-se de fenómenos que a evolução do capitalismo nas últimas décadas acelerou exponencialmente.
Veja-se a questão da desigualdade. Dados do World Inequality Report 2018 (https://wir2018.wid.world/): o rendimento dos 10% mais ricos disparou em todo o lado (de forma mais acelerada na Rússia dos anos 90), mas esse crescimento teve expressão diferenciada após a 1.ª década do século, nomeadamente com desaceleração na Rússia e China, aceleração exponencial na Índia, ritmo idêntico nos EUA e UE. Entre 1980 e 2016 o 1% mais rico capturou 27% do crescimento total, aos 50% mais pobres coube 12%.
A essa concentração de riqueza corresponde inevitavelmente o alastramento da pobreza. E, sendo o capitalismo o que é, tende em todos os aspectos a reorganizar-se em função desses abastados 1% (ou mesmo 10%) e a excluir todo o resto. É isso que se passa com a prosperidade das indústrias do luxo e a degradação da assistência à saúde ou da educação, a especulação e as bolhas imobiliárias nas cidades e os 150 milhões (2% da população mundial) de sem-abrigo, a duplicação dos lucros da Gucci nos EUA, onde o número de pessoas em situação de pobreza absoluta é superior aos da Serra Leoa e Nepal e igual ao do Senegal.
Uma das coisas que esses privilegiados possuem é os grandes media. Se, de vez em quando, têm que pegar em alguma coisa, procuram que um caso isolado seja a árvore que esconde a floresta.