(In)Dignidade
Uma petição pública para a legalização das casas de prostituição recolheu quatro mil assinaturas e foi entregue há dias na Assembleia da República, que terá agora de agendar um debate sobre esta matéria. Promovida por um alegado «movimento cívico» que teve como rosto uma «acompanhante de luxo» dona de uma casa de alterne, a petição advoga o reconhecimento da prostituição como «trabalho» e das pessoas prostituídas como «trabalhadoras do sexo», e a descriminalização do lenocínio.
A iniciativa surgiu no ano passado e teve como antecedentes próximos a aprovação pelo PS de uma moção da Juventude Socialista defendendo a regularização da prostituição enquanto actividade profissional, que acabou por não se traduzir em proposta legislativa no anterior governo, e a proposta do BE de criar de uma Plataforma Local sobre Trabalho Sexual que suscitou acesa polémica na Câmara e Assembleia Municipal de Lisboa.
Em causa, diz-se, está a defesa dos «direitos e deveres» da pessoa prostituída, da liberdade de dispor do corpo, da regulação da «mais velha profissão do mundo». A confusão de conceitos, deliberada ou não, é recorrente.
Num país como Portugal, onde a prostituição não é punível por lei mas em que o Código Penal pune com pena de prisão de seis meses a cinco anos quem, «profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição», a abordagem deste problema assenta desde o 25 de Abril no respeito pela dignidade da pessoa humana. Ora é justamente neste âmbito que ocorre todo o tipo de mistificações, desde logo confundindo as vítimas da dita «mais velha profissão do mundo» com os algozes da, essa sim, «mais velha opressão do mundo». Dos templos-bordéis sumérios, 2400 a.C., passando pelos lupanares do império romano, pelas «maisons de tolérance» ou «maisons closes» da França do séc. XIX, pelas «mulheres de conforto» do Japão na II Guerra Mundial, pelas «casas de meninas» no Portugal fascista, até aos prostíbulos actuais na Alemanha ou na Holanda, do que se trata é de exploração e de veicular a mensagem, perpetuando-a, de que há pessoas que existem apenas para o prazer alheio, de que há pessoas susceptíveis de serem usadas como mero instrumento ao serviço de outrem.
Ao pretender consagrar como «trabalho» o que de facto não passa da mercantilização de um ser humano para a obtenção de lucro, os signatários, consciente ou inconscientemente, estão a promover o tráfico de seres humanos, um florescente negócio à escala mundial de muitos milhares de milhões de dólares por ano.
A prostituição é um flagelo indissociável da pobreza, da marginalização, da exclusão social, do desemprego, não uma escolha. Negar esta realidade é alienar a ética que nos humaniza.