O mundo ao contrário
Numa entrevista recente à Paris Match Magazine, o presidente sírio Bashar al-Assad colocou uma interessante questão: poderia a Síria enviar tropas para França, a pretexto de combater o terrorismo, sem autorização das autoridades daquele país?
A resposta é óbvia e a pergunta seria até absurda não estivesse a França, juntamente com os EUA, o Reino Unido e a Turquia, há anos a ocupar ilegalmente território sírio. Respondamos então positivamente ao desafio do dirigente sírio, deixemos de lado o poderio de cada um dos países e lancemo-nos ao exercício de imaginar o mundo ao contrário.
Que teria acontecido, nessa realidade inventada, aos Estados Unidos, que comprovadamente desenvolvem o seu já fabuloso arsenal de armas de destruição generalizada? Que sanções não sufocariam a sua economia devido à conhecida ingerência nos assuntos internos de outros estados? Quantos raides aéreos não teriam já atingido o seu território pela agressão militar a dezenas de países? Que missões de observadores internacionais não teriam de monitorizar as suas eleições, conhecidas que são sucessivas fraudes e irregularidades?
Quantas bases militares estrangeiras estariam já instaladas no Reino Unido, aparentemente incapaz de, sozinho, combater o terrorismo no seu país, como recentemente ficou evidente? O que teria acontecido a Emmanuel Macron, que mandou reprimir brutalmente protestos populares, deixando atrás de si centenas de feridos? E a Israel, que viola sucessivas resoluções das Nações Unidas e ocupa ilegalmente território palestiniano? Que cidades sauditas tinham sido bombardeadas para defender o petróleo e os direitos humanos?
Nesse mundo invertido, que concedia a qualquer país o que hoje é exclusivo das potências imperialistas, a Rússia poderia cercar os EUA com bases militares, frotas navais e modernos sistemas de artilharia e mísseis; a Líbia teria condenado à morte no Mediterrâneo milhares de italianos que fugiam de uma qualquer guerra destinada a destituir Salvini ou outro líder odioso; há muito que Israel estaria debaixo de fogo devido ao seu programa secreto de armas atómicas; sobre a Google e o Facebook recairiam pesadas sanções devido à sua ligação com os serviços secretos norte-americanos.
Colocado assim, o panorama parece ridículo. Mas no nosso mundo – real – tudo isto sucede, com outros protagonistas e posicionamentos. Com uma agravante: os factos utilizados para imaginar este mundo ao contrário são isso mesmo, factos; já os argumentos do imperialismo para justificar guerras, agressões e pilhagens não passam de pretextos mal amanhados, como a vida vai demonstrando, quase sempre tarde demais.
Só a luta dos povos poderá fazer com que se cumpra o Direito Internacional, para que não fiquemos entregues às vontades do imperialismo.