Miseráveis
Eles servem os poderosos. São «liberais na economia» mas «conservadores nos costumes». Admiram a infalível sapiência dos mercados, a quem de bom grado entregam os dedos e os anéis... do País. Para eles, os desejos do BCE, do FMI, do Banco Mundial são ordens.
Eles gostam da economia globalizada e apreciam a internacionalização e a busca de mercados de trabalho mais flexíveis e competitivos, mas ficam irritados quando na Ásia se faz concorrência desleal. Acham os direitos coisa do passado, mas intocáveis os privilégios dos seus senhores. Em nome da modernidade, querem «menos Estado», excepto quando é para socorrer a banca privada e os seus accionistas – ou, melhor dizendo, «a economia»... A meritocracia é o seu lema, mas emocionam-se quando vêem os filhos ao leme dos monopólios que foram dos papás.
Eles exultam com a grandeza da civilização europeia, que acreditam ser superior a todas as outras, mas repugna-lhes qualquer resistência das culturas inferiores, ingratas expressões de intolerância e atentados ao modo de vida europeu. Todos os dias fazem apelos à paz, mas incham de orgulho ao ver os seus soldados, quais cruzados, a exportar direitos humanos e democracia (trazendo em troca petróleo, gás ou diamantes). Não aparecem em público sem a bandeirinha nacional na lapela, mas para eles é a União Europeia («a Europa», como dizem) quem mais ordena. E, nela, a Alemanha übber alles.
Eles odeiam os extremos e comparam o nazismo ao comunismo, mas não têm qualquer pejo em apoiar os primeiros contra os segundos (e «contra», aqui, significa mesmo «contra»). Invocam os valores europeus a cada duas palavras, mas condenam à sobre-exploração e à morte os que procuram escapar da devastação social que, noutras terras, essa mui nobre «Europa» provoca. Revoltam-se contra os anti-europeus e os populistas, mas é cada vez menos o que os separa. Talvez o ar mais «polido» e «respeitável»…
Na semana passada, eles travaram no Parlamento Europeu (pela ínfima margem de dois votos) a aprovação de uma resolução sobre busca e salvamento no Mar Mediterrâneo, transformado hoje numa imensa vala comum, onde em poucos anos morreram quase 20 mil pessoas: homens, mulheres e crianças, muitas crianças. Não reconhecem a obrigatoriedade de prestar assistência a pessoas em perigo. Embora sejam «pró-vida», não aceitam que acima de tudo esteja a salvaguarda da segurança dos migrantes, ou seja, da vida humana.
Entre eles há portugueses. Nuno Melo, do CDS, Álvaro Amaro e Maria da Graça Carvalho, do PSD (que veio mais tarde jurar que se enganara) votaram contra a proposta de resolução; José Manuel Fernandes, também do PSD, absteve-se.
Eles são assim. Miseráveis.