O essencial
Mais de um milhão de crianças e jovens iniciaram por estes dias o novo ano escolar sem que o facto significasse para as famílias outra coisa do que a natural expectativa de que tudo corra pelo melhor.
Pela primeira vez, todos os alunos do 1.º ao 12.º ano tiveram manuais escolares gratuitos, na sequência de um entendimento entre o Governo e o PCP, BE e Verdes alcançado por via de propostas em sede do Orçamento do Estado para 2016, 2017, 2018 e 2019. A gratuitidade veio a ser definida na Lei n.º 47/2006, de 28 de Agosto último. Uma lei, registe-se, aprovada no último plenário da legislatura com os votos contra do CDS-PP e a abstenção do PSD.
Pela primeira vez, milhares de famílias carenciadas, mas não o suficiente para para requerer o apoio da acção social escolar, puderam encarar o início do ano lectivo sem o pesadelo da despesa com os manuais, que muitas vezes as forçava a endividar-se ou a fasear a compra dos livros em função das excassas disponibilidades.
Pela primeira vez, crianças e jovens, independentemente do seu estatuto social, começaram as aulas com os livros de que necessitam. Não chega para acabar com as desigualdades, mas contribui sem dúvida para as esbater. É isto a escola pública inclusiva.
Pela primeira vez, o Estado, a quem cabe garantir a universalidade do ensino através das escolas públicas, afirma com a entrega dos manuais escolares o seu empenho em dar às novas gerações condições idênticas para a sua formação.
E se a lei não é perfeita – o modelo de reutilização de manuais imposto pelo Governo é absurdo no que toca aos livros do 1.º ciclo e restritivo no respeitante aos restantes níveis de ensino – nem por isso se pode substimar o seu alcance.
Nada disto teria sido possível sem o PCP. Talvez por isso, e a exemplo do que já sucedeu com a revolução social, mais uma, que foi a introdução dos novos passes sociais, ao invés de se enfatizar a importância da gratuitidade dos manuais escolares, o seu impacto na economia das famílias e a mensagem que dá à sociedade enquanto paradigma do ensino público, universal e gratuito, empolou-se casos pontuais para desmerecer a medida.
Entre a caridadezinha de Cristas para quem ensino gratuito é sinónimo de esmola, e o oportunismo de Rio que quer pôr o Estado a financiar alunos das escolas privadas, houve distribuição (deliberada?) de manuais impróprios para uso e, sobretudo, deturpação (deliberada?) do conceito de reutilização. O que deveria ser visto como benefício económico e ecológico está a ser transformado num «problema» que as editoras agradecem.
Com tanta cortina de fumo quase se perde de vista o essencial. Qual era mesmo? Ah, sim, a escola pública, universal e gratuita: uma conquista de Abril.