As ambições de Macron

Albano Nunes

A Amazónia foi o biombo atrás do qual o G7 procurou esconder as dificuldades do sistema capitalista

A Cimeira do G7 de Biarritz constituiu uma gigantesca operação de diversão para induzir na opinião pública a ideia de que, apesar das suas indisfarçáveis maleitas, o capitalismo não está assim tão mal, e para desviar a atenção dos demais problemas resultantes precisamente daquilo que o G7 tudo fez para esconder: o aprofundamento da crise estrutural do capitalismo, a agudização das contradições inter-imperialistas, o avanço do fascismo, a crescente ameaça de guerra nuclear.

É certo que não podemos conhecer o que se passou nos bastidores. Não foram certamente pacíficas as discussões, nomeadamente no que respeita aos sérios conflitos económicos que opõem os EUA à Alemanha e a outras potências da União Europeia, às consequências para a própria economia do sistema da guerra das tarifas alfandegárias imposta pelos EUA à China, ou mesmo em relação a conflitos alimentados unilateralmente para impor a hegemonia norte-americana ao mundo.

Por outro lado (a solidariedade de classe a isso obriga), apesar da arrogância da Administração Trump, não deve ter havido dificuldades de monta em relação à ofensiva contra a Venezuela, à criminosa acção de Israel (que precisamente nessa ocasião bombardeava no Líbano), e mesmo em relação ao Irão veremos se o espectacular convite ao seu Ministro dos Negócios Estrangeiros, não visa afinal forçar a assinatura de um outro acordo tal como é exigido pelos EUA.

Particularmente significativo foi o quase completo silêncio dos grandes senhores do mundo capitalista sobre as urgentes questões colocadas pela aproximação de uma nova recessão económica mundial, os agudos focos de tensão e de guerra no Médio Oriente e outros pontos do mundo, as imparáveis ondas de refugiados e emigrantes, o demencial sucessivo rasgar de acordos de desarmamento por parte do imperialismo norte-americano, os agudíssimos problemas da pobreza e do sub-desenvolvimento. A questão das desigualdades no mundo, aceleradamente segregadas por um sistema cada vez mais predador, apenas serviram a Macron para dar cobertura às suas ambições neo-coloniais.

Da Cimeira não saiu o habitual comunicado. O não ter sido sequer tentado diz bem das dificuldades e contradições que campeiam no campo imperialista. Um espectáculo como o do G7 do Canadá com Trump a retirar a assinatura de um texto a que tinha dado o seu acordo não era conveniente. Nesta Cimeira o espectáculo foi outro e serviu mesmo para projectar um ar respeitável, se não mesmo «progressista», deste clube de reaccionários impenitentes, a braços, todos eles, com sérios problemas domésticos que já depois da Cimeira tiveram novos desenvolvimentos no Reino Unido, na Itália, na Alemanha e mesmo nos EUA, com notícias que contrariam o falso optimismo oficial quanto à saúde da economia. A Amazónia e Bolsonaro foram o grande biombo atrás do qual se esconderam as dificuldades e contradições que minam o sistema capitalista. Com Macron a aproveitar para prosseguir na deriva autoritária e repressiva que tem levantado um autêntico clamor de protestos do povo francês e a exibir as suas ilimitadas ambições para o papel da França imperialista na União Europeia, em África e no mundo.




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