Concorrências

Henrique Custódio

...E de repente há mais hospitais privados que públicos, em Portugal. Como é que isto aconteceu?!… Resumamos.

A Revolução do 25 de Abril foi há 45 anos e nos 20 anos subsequentes construiu-se uma rede hospitalar pública a cobrir o País, trabalhando em rede com centros de Saúde construídos às centenas. Em concomitância, foi-se investindo a fundo na formação de médicos e enfermeiros, chegando-se ao ponto de impor numerus clausus ao acesso à carreira de Medicina, transformando a entrada na Universidade numa maratona de quase 20 valores de média, situação que se manteve ao longo dos anos com graves perdas de acessibilidade, o que levou cada vez mais alunos portugueses a procurar formação no estrangeiro, sobretudo em Espanha e na União Europeia.

Nesses 20 anos após o 25 de Abril, cobriu-se o País com uma vasta rede de hospitais, maternidades e centros de Saúde e constituiu-se um Serviço Nacional de Saúde sólido e eficaz. Foi o tempo de Portugal bater recordes, de que respigamos o da sobrevivência materno-infantil e o da longevidade.

Nesse tempo, a Medicina privada consistia em consultórios com um ou vários médicos, que cobravam consultas privadas e encaminhavam todos os casos mais complicados para as unidades públicas de Saúde.

Nessa altura, o Serviço Nacional de Saúde (SNS) estava solidamente implantado no País, constitucionalmente definido como «universal e tendencialmente gratuito».

Até que veio Cavaco Silva a impor com a sua maioria absoluta a Lei de Bases de Saúde de 1990 (que dura até hoje), abrindo as portas à contratualização de serviços privados e à subcontratação de serviços dos meios auxiliares de diagnóstico.

Ou seja, Cavaco Silva abriu caminho ao negócio na Saúde, necessariamente privado e a partir daí, silenciosamente, foi-se instalando o que já é um império.

Ou seja, Cavaco abriu caminho à instalação em Portugal do mais injusto sistema de Saúde do mundo, o norte-americano dos «seguros de saúde».

É claro que, no processo, tinha de haver a colaboração do Estado, via Governos. Primeiro, o de Durão Barroso que, em 2002, lançou um «programa» de parcerias público-privadas, depois o de José Sócrates, que lançaria a «empresarialização» de um conjunto de 34 hospitais portugueses, levada a cabo pela «Unidade de Missão para os Hospitais S.A.». Antes de se desembocar nas actuais quatro gestões privadas de Hospitais públicos, em 2003 Durão Barroso ainda teria tempo, antes de fugir para Bruxelas, de constituir a ERS, com a função de «vigiar» as «leis da concorrência» entre o público e o privado.

São estas «leis da concorrência» metidas a martelo no SNS que, afinal, preocupam o PS de António Costa ao recusar, liminarmente, acabar com as actuais PPP na Saúde… com as quais até diz discordar?




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