Árbitro, o eterno mau da fita

José Augusto

Os meios de comunicação poderiam ter um papel pedagógico na alfabetização futebolística

Não deve haver lugar no planeta, como neste cantinho da Europa, onde as relações entre os agentes desportivos, sobretudo, os que se movimentam no mundo do pontapé da bola, tenham atingido tal estado de degradação. Os espectadores, assimilando horas de desinformação, debitada pela rádio, pelos jornais ou estações televisivas, têm a sua quota parte de responsabilidade na manutenção deste ambiente pestilento. Não se esforçam por saber mais sobre o jogo da sua eleição e deixam-se fanatizar por via do veneno clubístico que lhes é entranhado, a bem ou a mal.

Se está em jogo o seu emblema, raramente reconhece a justeza de um resultado, a não ser que saia vitorioso. Quanto aos desaires, a tudo deitam mão para justificá-lo: a relva alta ou a relva baixa, o tempo frio ou o tempo quente, a chuva, o terreno muito duro ou mole e enlameado, a longa deslocação para o estádio, um jogo a meio da semana, a dureza do adversário, o mau comportamento da assistência, a péssima comida do restaurante, o barulho no hotel, a intensidade da luz, o azar dos nossos, a sorte dos outros e até – pasme-se! – a expulsão de um atleta adversário, já que é «extremamente difícil jogar contra dez». Todavia, o maior culpado de qualquer insucesso desportivo, o rei das desculpas, o mau da fita é o árbitro e respectiva família, grande que seja ela!

Uma das causas deste ambiente de guerrilha constante a que se assiste no futebol é, estou em crer, o desconhecimento das regras do jogo. Há anos, munido de uma bola e uma tábua pintada de verde com uma linha branca de 10 cm, fiz um inquérito de rua sobre o assunto. Coloquei, então, a 50 amantes do futebol uma questão de lana-caprina: «Sabe quando a bola está fora ou dentro do terreno?» Para meu espanto, apenas um dos inquiridos, entre professores, representantes das mais distintas profissões e até um antigo árbitro, respondeu com acerto. Contudo, todos discutem acaloradamente as decisões do juiz da partida e insultam-no quando as decisões daquele não coincidem com os interesses do clube da sua paixão.

A ignorância campeia neste terreno, e não se vislumbram melhoras. Há tempos, ouvi um comentador televisivo dizer que o árbitro tinha assinalado bola presa. Ora, no futebol não há bola presa como infracção, mas sim jogo perigoso passivo. Explicava o saudoso cronista Cruz dos Santos: «Por exemplo, a lei não te proíbe de prenderes a bola entre os joelhos, mas tens de soltá-la logo que se aproxime um adversário, porque este, ao tentar jogá-la, pode pôr em perigo a tua integridade física. Se não deixares cair a bola ao solo, o árbitro punir-te-á por jogo perigoso passivo». Há ignorâncias destas, transmitidas por canais que chegam ao grande público, contaminando-o.

Os meios de comunicação poderiam ter um papel pedagógico fundamental na alfabetização futebolística, embora eles próprios sofram de ignorância, que pode ser premeditada ou acidental. Com a gente a quem dá voz, imagem ou pena, não estão em condições de cumprir esse papel, tão necessário a uma visão pacífica do fenómeno desportivo. Ensinar, mesmo tendo conhecimentos, não é para todos. E, como todos sabemos, os seres ignorantes são mais fáceis de manejar, de entreter com futilidades, de encarreirar para objectivos que muitas vezes lhe são estranhos e prejudiciais.

Portanto, as coisas estão como estão e ficam assim.E muita gente, podeis acreditar, ganha com isso. E bem.




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