Garantir a propriedade pública da água

Vladimiro Vale (Membro da Comissão Política)

Estão a avançar pro­cessos de agre­gação de sis­temas de for­ne­ci­mento de água em baixa em vá­rios mu­ni­cí­pios de di­versos dis­tritos, que con­du­zirão a que as au­tar­quias percam o con­trolo da gestão da água e da sua en­trega aos mu­ní­cipes, ao mesmo tempo que as po­pu­la­ções per­derão meios de con­trolo de­mo­crá­tico sobre a po­lí­tica de água.

É grande a pressão dos grupos eco­nó­micos para a pri­va­ti­zação da água

Por trás destes pro­cessos existe uma linha de chan­tagem que passa por só des­blo­quear verbas dos Fundos Co­mu­ni­tá­rios para os mu­ni­cí­pios que aceitem par­ti­cipar nestes pro­cessos. A con­sequência ime­diata será o au­mento do preço da água para os mu­ní­cipes, agra­vando as con­di­ções de vida das pes­soas, a si­tu­ação das pe­quenas em­presas e dos ser­viços pú­blicos. O ob­jec­tivo é criar es­cala eco­nó­mica para tornar ape­te­cível o ne­gócio.

Se, por um lado, o Go­verno tenta re­tirar a gestão da água aos mu­ni­cí­pios, PS e PSD en­ten­deram-se para ini­ciar um pro­cesso de trans­fe­rência de com­pe­tên­cias do poder cen­tral para os mu­ni­cí­pios que co­lo­cará em causa a co­esão da pres­tação de fun­ções so­ciais do Es­tado, agra­vará de­si­gual­dades entre au­tar­quias lo­cais e po­derá con­duzir a pro­cessos de pri­va­ti­zação, como aliás já acon­tece em al­guns con­ce­lhos.

No do­mínio da gestão dos re­cursos hí­dricos no plano na­ci­onal, como con­sequência de anos de po­lí­tica de di­reita, as es­tru­turas pú­blicas per­deram tra­ba­lha­dores, meios e com­pe­tên­cias, foram afas­tadas da gestão de al­bu­feiras, todas con­ces­si­o­nadas a en­ti­dades pri­vadas ou de di­reito pri­vado, a quem se de­legou com­pe­tên­cias de ad­mi­nis­tração. Nos úl­timos anos agra­varam-se pro­blemas de­cor­rentes de trans­fe­rência de água (com par­ti­cular ên­fase para os em­pre­en­di­mentos es­pa­nhóis/​Trans­vases), assim como má gestão ou gestão con­cen­trada na ob­tenção de lucro nas bar­ra­gens de pro­dução ener­gé­tica, agra­vando pro­blemas de po­luição e de perda de qua­li­dade da água.

Agra­varam-se os pro­blemas, sendo que as es­tru­turas pú­blicas per­deram ca­pa­ci­dade de as­se­gurar a gestão, a pla­ni­fi­cação e até a mo­ni­to­ri­zação de pro­to­colos in­ter­na­ci­o­nais.

Ao Es­tado o que
só o Es­tado pode ga­rantir

Só com meios do Es­tado se pode ga­rantir o cum­pri­mento de cau­dais que pre­servem o equi­lí­brio dos ecos­sis­temas e a bi­o­di­ver­si­dade, a me­dição da qua­li­dade da água dos rios e al­bu­feiras, a re­a­li­zação de ac­ções de fis­ca­li­zação e ins­pec­tivas re­gu­lares que per­mitam iden­ti­ficar os focos de po­luição. É assim ne­ces­sário re­forçar os meios hu­manos e téc­nicos das au­to­ri­dades e en­ti­dades com res­pon­sa­bi­li­dades em ques­tões am­bi­en­tais, no­me­a­da­mente a Agência Por­tu­guesa do Am­bi­ente, a Ins­pecção Geral da Agri­cul­tura, do Mar, do Am­bi­ente e do Or­de­na­mento do Ter­ri­tório, o SEPNA/​GNR.

Ga­rantir a pro­pri­e­dade pú­blica da água passa por com­bater a pressão para a sua mer­can­ti­li­zação, com­ba­tendo a en­trega da cap­tação e dis­tri­buição de águas e sa­ne­a­mento de águas re­si­duais a em­presas pri­vadas, va­lo­ri­zando o papel das au­tar­quias, res­pei­tando as com­pe­tên­cias mu­ni­ci­pais em par­ti­cular no que se re­fere aos Ser­viços Ur­banos da Água, ao invés do ac­tual pro­cesso de chan­tagem no sen­tido de agre­gação de sis­temas, en­quanto etapa para a sua pri­va­ti­zação.

Só uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda ga­ran­tirá um ca­minho vi­sando a de­fesa do meio am­bi­ente, do or­de­na­mento do ter­ri­tório e a pro­moção de um efec­tivo de­sen­vol­vi­mento re­gi­onal, com o apro­vei­ta­mento ra­ci­onal dos re­cursos, cri­te­ri­osas po­lí­ticas de in­ves­ti­mento pú­blico, de con­ser­vação da na­tu­reza, o com­bate ao des­po­vo­a­mento e à de­ser­ti­fi­cação, o res­peito pelo sis­tema au­to­nó­mico e pela au­to­nomia das au­tar­quias lo­cais.




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