Defender o SNS universal, geral e gratuito para garantir o direito constitucional à saúde

DIREITOS São distintas as visões sobre a forma de efectivar o direito constitucional à saúde. Muito é o que separa o PCP do PSD e CDS. Indefinição em questões centrais é o que marca ainda a proposta do Governo.

Para os privados o que importa não é a saúde mas a doença

No passado dia 23 foram esses pontos de vista que estiveram em confronto no Parlamento a propósito de diplomas sobre a Lei de Bases da Política de Saúde apresentados pelo Governo, PCP, PSD e CDS. Todos baixaram à comissão por 60 dias, sem votação, para discussão na especialidade.

A ministra da Saúde, Marta Temido asseverou que o Governo pretende defender os cidadãos, reforçando o papel do Estado e os serviços públicos, bem como clarificar as relações com o sector privado e social, mas sem «hostilizar» estes.

Já das bancadas do PSD e do CDS ficou claro que na mira têm como alvo continuar a aprofundar o caminho de enfraquecimento do SNS, acentuar a promiscuidade entre o sector público e o sector privado, atacar direitos dos utentes e dos profissionais, em suma «subverter o direito constitucional à saúde», como acusou a deputada comunista Carla Cruz ao apresentar o diploma da sua bancada.

Ideologia do negócio

«O PSD rejeitará sempre qualquer modelo político de cariz estatizante», disse Ricardo Batista Leite, não vendo nenhuma inconveniência em que o SNS recorra a outros sectores se daí resultarem «ganhos em saúde». Não longe andou o CDS, que também fez questão de salientar que na sua proposta não há «obsessão ideológica de cariz estatizante» (Isabel Galriça Neto) e que não olham para «privado e social como coisa pouca ou descartável».

«Dizem defender a saúde para todos, mas o que verdadeiramente defendem é saúde para os que têm condições económicas para pagar os seus próprios cuidados de saúde», desmontou a deputada comunista Paula Santos, realçando que «pôr o público e o privado no mesmo pé é partir do pressuposto que visam os mesmos objectivos» - o que não verdade.

Acusou por isso PSD e CDS de «procurarem iludir os portugueses», e de defenderem aquilo que designou por «ideologia do negócio»: um «serviço de saúde sem qualidade para aqueles que não têm condições económicas e garantir com os grupos privados um serviço de saúde para aqueles que podem pagar».

Questões em aberto

Já sobre a proposta de lei do Governo, embora reconhecendo que evoluiu em sentido positivo relativamente ao texto apresentado pela Comissão presidida por Maria de Belém, Carla Cruz foi taxativa a concluir que não obstante a presença de aspectos convergentes com a perspectiva do PCP eles são «insuficientes face à necessidade de se encontrar uma maioria que permita uma revisão progressista da Lei».

É que a questão central – e foi esta que esteve no centro do debate – está em saber se é para «avançar no caminho do reforço do SNS ou se o caminho é para aprofundar o favorecimento dos grandes grupos privados na área da saúde».

Foi esta clarificação que a bancada comunista quis obter, por entender que «não é indiferente quem presta os cuidados de saúde». Enquanto o SNS «trata todos por igual e tem como objectivo a saúde» - e essa é a grande diferença -, para os privados, ao contrário do serviço publico, o que importa não é a saúde mas sim a doença, a sua prioridade não são os cuidados de saúde mas sim a maximização do lucro», lembrou Paula Santos.

Daí o repto lançado a Marta Temido para que esclarecesse de que lado vai estar o Governo: a defender e reforçar o SNS, a gestão pública, concretizando o direito constitucional à saúde através de uma política centrada nas pessoas; ou manter o actual estado de promiscuidade entre sector público e privado, aumentar PPP, transferir serviços e cuidados para quem faz da saúde apenas mais uma oportunidade de negócio.

Esta é a grande questão, ainda envolta numa nebulosa, mas que em breve ficará esclarecida.

Assegurar cuidados de saúde a todos

«Universal, Geral e Gratuito» - são estes os princípios fundadores do Serviço Nacional de Saúde que o PCP retoma na sua proposta de Lei de Bases da Política de Saúde.

No projecto de lei é garantido o direito à saúde, atribuindo ao Estado a responsabilidade da sua efectivação por via do SNS, alocando para o efeito através do Orçamento do Estado as verbas «imprescindíveis ao funcionamento, à modernização e melhoria das instalações e equipamentos, contratação e valorização dos profissionais».

A deputada comunista Carla Cruz, detalhando as principais linhas de força que estruturam o diploma, referiu que nele se propõe a «gestão pública, descentralizada e participada, concedendo-se autonomia administrativa e financeira às entidades e estabelecimentos que o compõem».

Quanto ao modelo de gestão, deve assentar em «órgãos colegiais», constituídos por membros «seleccionados por concurso público, na eleição pelos pares dos directores clínicos, de enfermagem e dos representantes dos outros profissionais de saúde».

Como na sua proposta «não há lugar para Parcerias Público-Privado, para Entidades Públicas Empresariais», salientou Carla Cruz, o que o PCP propõe é a extinção das mesmas.

Assumida de forma clara no texto é, por outro lado, a «separação dos sectores» - público, privado e social -, com atribuição ao privado e social de um «carácter supletivo ao SNS». Ao Estado cabe «regular e fiscalizar as actividades por estes prestadas de acordo com o interesse público».

O PCP assume ainda no seu projecto de lei que para o SNS funcionar é necessária a existência de órgãos centrais, regionais e locais, destacando-se os Sistemas Locais de Saúde.

No centro das políticas

No diploma está igualmente plasmado de forma inequívoca que o «direito constitucional à saúde exige que seja o Governo a definir a política de saúde, a financiá-la, prestá-la e regulá-la», que a «política de saúde tem âmbito nacional», que a saúde está no «centro de todas as políticas» - «permitindo-se assim a intervenção sobre os determinantes sociais da saúde e de produção de doença», segundo Carla Cruz -, e que «assenta no planeamento em recursos humanos, materiais, tecnológicos e financeiros para responder às necessidades identificadas e às aquisições do progresso científico e tecnológico».

Para o PCP, o direito constitucional à saúde exige também «opções claras sobre a política de recursos humanos», com «correcto dimensionamento das dotações de trabalhadores e sua distribuição pelo território nacional», visando satisfazer as necessidades da população.

Obrigatório para o PCP, falando da política de recursos humanos, é também que sejam asseguradas «condições de trabalho dignas», integrados todos os profissionais nas carreiras e com remunerações adequadas, em ordem a «incentivar e valorizar o regime de trabalho a tempo completo e a dedicação exclusiva ao SNS».

Várias outras matérias são objecto de tratamento específico no articulado do diploma, como a saúde mental, a genética médica, a saúde ocupacional e a política do medicamento e dos dispositivos médicos, os grupos vulneráveis e de risco, a saúde pública.




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