O império treme

António Santos

O anúncio de que Trump vai retirar todas as tropas estado-unidenses da Síria e metade das forças estacionadas no Afeganistão sacudiu Washington e já fez uma baixa: Jim «Mad Dog» Mattis, o secretário da Defesa e tido pela comunicação social dominante como «o último adulto na Casa Branca», bateu a porta com um estrondo imenso.

Colunistas, comentadores e congressistas do Partido Democrata (PD) multiplicaram os lamentos, as ameaças e os vitupérios: «Este país está num estado de caos», escreveu Leon Pannetta, antigo director da CIA; «Tenham medo! Sem Jim Mattis, quem irá proteger a América?», perguntava-se o editorial do New York Times, em referência a um general que conquistou o apodo de «Cão Danado» por declarar, sobre a invasão do Afeganistão, que «é muito divertido matar pessoas. É espectacular»; Victoria Nuland, dirigente do PD que durante a administração Obama se destacou na promoção do golpe de Estado na Ucrânia, lamuriou-se que «Trump ofereceu uma prenda de Natal ao Estado Islâmico, ao Kremlin e a Teerão»; uma «alta patente militar» citada pela NBC prometeu mesmo um golpe de Estado contra Trump: «Vai haver uma intervenção, Jim Mattis foi a gota de água.»

Num momento em que ainda não é claro se o anúncio de Trump corresponderá ao fim efectivo da intervenção imperialista dos EUA na Síria ou apenas a uma viragem táctica, é já certo que as palavras de Trump traduzem o avolumar de várias crises e contradições, internas e externas, do imperialismo, consubstanciando só por si a valiosa admissão de uma derrota militar.

O anúncio deste Trump-presidente corporiza um retorno inesperado ao discurso propagandístico do Trump-candidato, tanto no apelo fascizante à «América primeiro» como na promessa demagógica de pôr termo às guerras não lucrativas. Num momento em que a popularidade de Trump atinge mínimos históricos e em que se aperta o cerco dos vários escândalos e investigações de que é alvo, a retirada do Afeganistão e da Síria permite devolver apoio popular ao magnata.

Esta é uma decisão que se insere no âmbito do recrudescimento das contradições internas da classe dominante estado-unidense, reflectida na crescente instabilidade política entre republicanos e democratas. Sectores do grande capital como o imobiliário ou a indústria automóvel não têm o mesmo interesse na guerra infinita no Afeganistão e na Síria que, por exemplo, a alta finança ou a indústria de armamento. A paralisação do governo federal, que se prolonga desde dia 22 de Dezembro deixando 800 mil trabalhadores de uma dezena de agências sem salário até ao início de Janeiro, é o reflexo político mais visível destas contradições.

Mas explicam também este anúncio, as contradições externas, cada vez mais visíveis, entre as potências imperialistas da NATO. A lógica economicista com que Trump parece querer tratar a aliança imperialista reflecte novas divergências de interesses entre, por exemplo, os EUA e a União Europeia, duas potências com ambições imperiais concorrentes. Por outro lado, o anúncio de Trump pode querer dizer uma reorientação do ímpeto imperialista estado-unidense numa outra direcção, mais conveniente aos sectores do capital representados por Trump: a América do Sul, a Ásia e todo o Pacífico.




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