Criatividades
Imaginem que uma estrutura do Estado Português, de investigação e experimentação agrária, levava mais de uma dezena de anos a testar e apurar variedades de cereais adaptados às condições edafo-climáticas, ou seja, dos solos e do clima do nosso país, para garantir a valorização das espécies e a melhoria das condições de produção e as suas produtividades.
Imaginem que o nosso país era altamente deficitário em cereais e que, no caso do trigo, o grau de dependência se traduzia no facto de a produção nacional não chegar para os primeiros 15 dias do ano.
Essa mesma estrutura, passados 10, 11 ou 12 anos de estudos, de experimentações, de testes no terreno, de envolvimento dos quadros e técnicos do Ministério da Agricultura, do registo das patentes respectivas, colocaria tais sementes ao serviço do povo e do País? Distribui-las-ia por agricultores, motivando-os ao aumento das áreas cultivadas? Asseguraria áreas mínimas de cultivo para fazer face à dependência nacional?
A estrutura pública existe mas, pelo contrário, decidiu colocar essas patentes no mercado, alimentando lucros de interesses privados que as poderiam revender a quem as pudesse pagar – logo, não a pequenos e médios agricultores - ou guardá-las para vender outras que lhes dessem mais lucros.
No caso, e como a empresa que adquiriu as sementes entrou em insolvência em 2014, estas entraram para a massa falida e não podem ser usadas por ninguém, até porque esse negócio não contou, sequer, com uma cláusula de salvaguarda, uma garantia de que essas sementes seriam postas ao serviço dos produtores e da produção nacional.
A criatividade do capital e da política de direita ao seu serviço espelha-se em todos os pormenores. Hoje como ontem usam a estrutura do Estado, não apenas a impor medidas a favor dos interesses de uma classe, mas já a trabalhar directamente para o enriquecimento dessa classe, mesmo que isso coloque em causa o interesse nacional.