Compete ao Estado assegurar o acesso à habitação condigna
HABITAÇÃO O PCP vai apresentar na Assembleia da República (AR) um projecto de Lei de Bases da Habitação, anunciou Jerónimo de Sousa no enceramento de uma sessão em Lisboa.
Viver numa casa com o mínimo de condições não pode ser um luxo
«Habitação – direito constitucional que urge concretizar» foi o lema da iniciativa realizada ao final da tarde de terça-feira, 21, que para além da intervenção proferida pelo Secretário-geral do Partido, contou com uma de Paula Santos e outra de Lino Paulo. Coube aliás a este último traçar o histórico e as causas da situação, começando por notar que «num país onde, no pós 25 de Abril, e em especial nas últimas três décadas, foi feito um fortíssimo investimento na urbanização de solo e na construção de habitação» – «para 3.780.000 de famílias existem 5.860.000 alojamentos» – , persistindo todavia «milhares de famílias sem casa e, todos os dias, milhares são despejadas».
«Há que perceber a contradição», este «grave incumprimento do imperativo constitucional de que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”», prosseguiu Lino Paulo, para quem tal reside na demissão do Estado do seu papel de promotor de «políticas públicas de âmbito, responsabilidade, direcção e gestão nacional» que o concretizem.
Pese embora os últimos trinta anos tenham sido de forte investimento em construção de novos fogos, insistiu, a questão é que a Administração Central empurrou para as autarquias o fundamental da resposta e esta destinou-se no fundamental a agregados familiares de baixos recursos, deixando aos privados o «desenvolvimento do mercado imobiliário» centrado no apoio à «aquisição de casa própria».
«As políticas iniciadas por Soares, potenciadas por Cavaco e prosseguidas, embora com variações conjunturais de investimento público, por todos os governos que lhes sucederam, conduziram a que tivessem sido construídos entre 1993 e 2013 um milhão e quinhentos mil fogos», dos quais «apenas 16 por cento serviram à promoção pública de habitação», detalhou ainda.
Urgente
Ora, se a uma «bolha imobiliária provocada pela captura da renda fundiária, obtida na expansão para as periferias», está a suceder «um novo paradigma da especulação, conduzida pelo grande capital financeiro» e traduzida na «captura da renda fundiária ligada aos investimentos na reabilitação urbana», a questão que se coloca é «atacar o âmago da questão». E a isso o pacote legislativo apresentado pelo Governo PS, embora «melhorando em parte o actual quadro», não dá resposta, acusou ainda Lino Paulo, para quem urge um caminho que «passa necessariamente por uma forte intervenção do Estado [Administração Central]».
Partindo deste diagnóstico e matriz, Jerónimo de Sousa, a encerrar a iniciativa, insistiu que «a habitação é um bem especial para a satisfação de uma necessidade absolutamente básica», o que não se compagina com o actual contexto em que prevalece a lógica do lucro, conduzindo à retoma da nova construção «em cima de um brutal stock de fogos devolutos prontos ou quase prontos a habitar, e de inúmeros edifícios a exigir reabilitação», bem como a «um processo acelerado de gentrificação dos grandes centros urbanos, particularmente nas grandes áreas metropolitanas e mesmo nalgumas cidades de média dimensão».
«O problema de fundo mantém-se face à ausência de uma política de Estado coerente e à pressão exercida pela especulação imobiliária, que mantém o comando das opções», prosseguiu o Secretário-geral do Partido, para quem, «independentemente de medidas legislativas mais de fundo», coloca-se a urgência da revogação da Lei dos despejos [de Assunção Cristas, actual líder do CDS e ex-responsável da tutela do sector no famigerado governo PSD/CDS], a introdução de novas alterações ao regime de renda apoiada, o relançamento de projectos de renda condicionada e a resolução de problemas prementes que afectam centenas de famílias».
Jerónimo de Sousa anunciou, por isso, a apresentação pelo Partido de uma proposta de Lei de Bases da Habitação, a qual, para além de incluir «uma política de solos que contrarie a especulação imobiliária e as rendas fundiárias de rapina», afirme o «Estado como promotor imobiliário, nesta fase de excesso de habitação, essencialmente vocacionado para intervenções de reabilitação urbana» e garanta «a mobilização do património habitacional público e de instituições de solidariedade social, para o mercado de arrendamento, nos regimes de renda apoiada ou condicionada»; trave a «precariedade contratual», regulamente eficazmente o «alojamento local», penalize nos termos mais fortes as «habitações injustificadamente devolutas», recoloque a resposta à questão da habitação «no quadro de uma política social da habitação e não em soluções parcelares de políticas de habitação social».
Isto para que «viver numa casa com o mínimo de condições» não seja um luxo, «a que poucos tem acesso», realçou.
«Intervenção do PCP marca a diferença»
A abrir a sessão pública sobre habitação, a deputada do PCP no parlamento, Paula Santos deu conta da intervenção do Partido na AR. São disso exemplo o impedimento da venda da habitação própria permanente pelo fisco nos casos de execução tributária ou igual proibição quando as famílias não dispõem de outros bens para saldar a hipoteca à banca, bem como o desagravamento do IMI para «os que menos têm» e o seu agravamento para o grandes proprietários e especuladores, não se tendo ido mais longe porque PS tem convergido com PSD e CDS.
Iguais obstáculos foram colocados pelos partidos da política de direita no que toca à proposta comunista de apoio a todos os jovens que reúnam condições no âmbito do Porta65, isto embora se tenha conseguido alargar critérios e condições de atribuição.
O Partido propôs, ainda, salientou Paula Santos, um programa central de realojamento que dê resposta às 26 mil famílias identificadas como carentes de alojamento, e da mesma forma foi determinante a iniciativa e contributos do PCP para as alterações mais favoráveis introduzidas ao Regime Jurídico de Renda Apoiada e no Arrendamento Urbano, neste último registando que as mudanças eram «cirúrgicas» para protecção de inquilinos e arrendatários, sendo assim «necessário regressar à matéria» face à situação de urgência. Ainda que para o PCP a solução passe pela revogação da injusta Lei dos despejos, também aqui só não se foi mais longe porque PS, PSD e CDS se aliaram.