- Nº 2326 (2018/06/28)

Compete ao Estado assegurar o acesso à habitação condigna

PCP

HABITAÇÃO O PCP vai apresentar na Assembleia da República (AR) um projecto de Lei de Bases da Habitação, anunciou Jerónimo de Sousa no enceramento de uma sessão em Lisboa.

«Habitação – direito constitucional que urge concretizar» foi o lema da iniciativa realizada ao final da tarde de terça-feira, 21, que para além da intervenção proferida pelo Secretário-geral do Partido, contou com uma de Paula Santos  e outra de Lino Paulo. Coube aliás a este último traçar o histórico e as causas da situação, começando por notar que «num país onde, no pós 25 de Abril, e em especial nas últimas três décadas, foi feito um fortíssimo investimento na urbanização de solo e na construção de habitação» – «para 3.780.000 de famílias existem 5.860.000 alojamentos» – , persistindo todavia «milhares de famílias sem casa e, todos os dias, milhares são despejadas».

«Há que perceber a contradição», este «grave incumprimento do imperativo constitucional de que “todos têm direito, para si e para a sua família, a uma habitação de dimensão adequada, em condições de higiene e conforto e que preserve a intimidade pessoal e a privacidade familiar”», prosseguiu Lino Paulo, para quem tal reside na demissão do Estado do seu papel de promotor de «políticas públicas de âmbito, responsabilidade, direcção e gestão nacional» que o concretizem.

Pese embora os últimos trinta anos tenham sido de forte investimento em construção de novos fogos, insistiu, a questão é que a Administração Central empurrou para as autarquias o fundamental da resposta e esta destinou-se no fundamental a agregados familiares de baixos recursos, deixando aos privados o «desenvolvimento do mercado imobiliário» centrado no apoio à «aquisição de casa própria».

«As políticas iniciadas por Soares, potenciadas por Cavaco e prosseguidas, embora com variações conjunturais de investimento público, por todos os governos que lhes sucederam, conduziram a que tivessem sido construídos entre 1993 e 2013 um milhão e quinhentos mil fogos», dos quais «apenas 16 por cento serviram à promoção pública de habitação», detalhou ainda.

Urgente

Ora, se a uma «bolha imobiliária provocada pela captura da renda fundiária, obtida na expansão para as periferias», está a suceder «um novo paradigma da especulação, conduzida pelo grande capital financeiro» e traduzida na «captura da renda fundiária ligada aos investimentos na reabilitação urbana», a questão que se coloca é «atacar o âmago da questão». E a isso o pacote legislativo apresentado pelo Governo PS, embora «melhorando em parte o actual quadro», não dá resposta, acusou ainda Lino Paulo, para quem urge um caminho que «passa necessariamente por uma forte intervenção do Estado [Administração Central]».

Partindo deste diagnóstico e matriz, Jerónimo de Sousa, a encerrar a iniciativa, insistiu que «a habitação é um bem especial para a satisfação de uma necessidade absolutamente básica», o que não se compagina com o actual contexto em que prevalece a lógica do lucro, conduzindo à retoma da nova construção «em cima de um brutal stock de fogos devolutos prontos ou quase prontos a habitar, e de inúmeros edifícios a exigir reabilitação», bem como a «um processo acelerado de gentrificação dos grandes centros urbanos, particularmente nas grandes áreas metropolitanas e mesmo nalgumas cidades de média dimensão».

«O problema de fundo mantém-se face à ausência de uma política de Estado coerente e à pressão exercida pela especulação imobiliária, que mantém o comando das opções», prosseguiu o Secretário-geral do Partido, para quem, «independentemente de medidas legislativas mais de fundo», coloca-se a urgência da revogação da Lei dos despejos [de Assunção Cristas, actual líder do CDS e ex-responsável da tutela do sector no famigerado governo PSD/CDS], a introdução de novas alterações ao regime de renda apoiada, o relançamento de projectos de renda condicionada e a resolução de problemas prementes que afectam centenas de famílias».

Jerónimo de Sousa anunciou, por isso, a apresentação pelo Partido de uma proposta de Lei de Bases da Habitação, a qual, para além de incluir «uma política de solos que contrarie a especulação imobiliária e as rendas fundiárias de rapina», afirme o «Estado como promotor imobiliário, nesta fase de excesso de habitação, essencialmente vocacionado para intervenções de reabilitação urbana» e garanta «a mobilização do património habitacional público e de instituições de solidariedade social, para o mercado de arrendamento, nos regimes de renda apoiada ou condicionada»; trave a «precariedade contratual», regulamente eficazmente o «alojamento local», penalize nos termos mais fortes as «habitações injustificadamente devolutas», recoloque a resposta à questão da habitação «no quadro de uma política social da habitação e não em soluções parcelares de políticas de habitação social».

Isto para que «viver numa casa com o mínimo de condições» não seja um luxo, «a que poucos tem acesso», realçou.


«Intervenção do PCP marca a diferença»

A abrir a sessão pública sobre habitação, a deputada do PCP no parlamento, Paula Santos deu conta da intervenção do Partido na AR. São disso exemplo o impedimento da venda da habitação própria permanente pelo fisco nos casos de execução tributária ou igual proibição quando as famílias não dispõem de outros bens para saldar a hipoteca à banca, bem como o desagravamento do IMI para «os que menos têm» e o seu agravamento para o grandes proprietários e especuladores, não se tendo ido mais longe porque PS tem convergido com PSD e CDS.

Iguais obstáculos foram colocados pelos partidos da política de direita no que toca à proposta comunista de apoio a todos os jovens que reúnam condições no âmbito do Porta65, isto embora se tenha conseguido alargar critérios e condições de atribuição.

O Partido propôs, ainda, salientou Paula Santos, um programa central de realojamento que dê resposta às 26 mil famílias identificadas como carentes de alojamento, e da mesma forma foi determinante a iniciativa e contributos do PCP para as alterações mais favoráveis introduzidas ao Regime Jurídico de Renda Apoiada e no Arrendamento Urbano, neste último registando que as mudanças eram «cirúrgicas» para protecção de inquilinos e arrendatários, sendo assim «necessário regressar à matéria» face à situação de urgência. Ainda que para o PCP a solução passe pela revogação da injusta Lei dos despejos, também aqui só não se foi mais longe porque PS, PSD e CDS se aliaram.