Da retórica burguesa ao mundo real

Gonçalo Oliveira (Membro da Comissão Política)

Será dis­cu­tido amanhã um pro­jecto de Lei en­tregue pelo PCP na As­sem­bleia da Re­pú­blica em Abril de 2016 que visa re­duzir para 35 horas o li­mite má­ximo do ho­rário se­manal de tra­balho.

Cabe aos co­mu­nistas di­na­mizar a luta pelos di­reitos e a al­ter­na­tiva

LUSA


Nele consta que o pe­ríodo normal de tra­balho para todos os tra­ba­lha­dores – sejam eles do sector pú­blico ou pri­vado – não po­derá ex­ceder as sete horas por dia e que não po­derá haver lugar a qual­quer perda de re­mu­ne­ração, ou de ou­tros di­reitos, em re­sul­tado da re­dução. O al­cance desta ini­ci­a­tiva di­fi­cil­mente pode ser so­bre­va­lo­ri­zado.

Para os tra­ba­lha­dores, a du­ração e or­ga­ni­zação do tempo de tra­balho sempre foi uma questão cen­tral. Na sequência da ofen­siva de­sen­ca­deada pela po­lí­tica de di­reita com vista à des­re­gu­lação do ho­rário de tra­balho e con­se­quente au­mento da ex­plo­ração dos tra­ba­lha­dores, a luta his­tó­rica por bar­reiras de tempo de tra­balho má­ximo ad­quire re­do­brada im­por­tância.

Acresce ainda o im­pacto que a apro­vação desta pro­posta teria na eco­nomia graças à cri­ação de mais postos de tra­balho – ne­ces­sá­rios para cum­prir as mesmas horas de tra­balho – e à re­dis­tri­buição de parte da ri­queza apro­priada pelos grandes grupos eco­nó­micos de­vido ao pro­gresso ci­en­tí­fico e tec­no­ló­gico das úl­timas dé­cadas. Estes são os ob­jec­tivos de uma pro­posta que be­ne­fi­ciará a es­ma­ga­dora mai­oria da po­pu­lação por­tu­guesa a custo da di­mi­nuição dos lu­cros de al­guns. Estes são também os mo­tivos que le­varão os par­tidos da po­lí­tica de di­reita a opor-se à pro­posta do PCP.

Caso se man­tenha a con­ver­gência que até agora tem ca­rac­te­ri­zado a pos­tura de PS, PSD e CDS sempre que estão em causa in­te­resses fun­da­men­tais do ca­pital, este pro­jecto de Lei terá o mesmo des­tino que ou­tros. Ainda no pas­sado mês de Março foram chum­badas as ten­ta­tivas de repor o prin­cípio do tra­ta­mento mais fa­vo­rável ao tra­ba­lhador e de re­vogar as normas que pro­movem a des­re­gu­lação dos ho­rá­rios de tra­balho e a ca­du­ci­dade da con­tra­tação co­le­tiva.

Ar­gu­mentos e com­bates
A ve­ri­ficar-se tal des­fecho, esses par­tidos não as­su­mirão que estão a de­fender os in­te­resses do ca­pital. Pre­vi­si­vel­mente so­correr-se-ão dos es­ta­fados ar­gu­mentos em torno da ne­ces­si­dade de «es­ta­bi­li­dade la­boral» e da va­lo­ri­zação do «diá­logo so­cial» em sede de con­cer­tação so­cial. Não fal­tarão se­gu­ra­mente re­fe­rên­cias ao «novo pa­ra­digma» do mer­cado la­boral – a «paz so­cial» – livre de am­bi­entes «cris­pados» que afastam o in­ves­ti­mento do País e im­pedem o de­sen­vol­vi­mento da ac­ti­vi­dade eco­nó­mica e a cri­ação de em­prego. Um nir­vana que só pode ser al­can­çado através da «ló­gica de com­pro­misso».

Au­sente dos dis­cursos ar­di­losos es­tará qual­quer re­fe­rência às crises eco­nó­micas e es­tru­tu­rais que de­sen­ca­de­aram, às cen­tenas de mi­lhares de postos de tra­balho que des­truíram ou ainda aos sec­tores fun­da­men­tais da eco­nomia na­ci­onal que ar­rui­naram.

Longe do do­mínio da re­tó­rica bur­guesa, no mundo real, e in­de­pen­den­te­mente do re­sul­tado do de­bate na As­sem­bleia da Re­pú­blica, os tra­ba­lha­dores con­ti­nu­arão a lutar pela con­quista de novos di­reitos. Par­tindo de ob­jec­tivos ime­di­atos – como a re­dução do ho­rário de tra­balho –, a luta da classe ope­rária e dos tra­ba­lha­dores tem o po­ten­cial de gerar cons­ci­ência po­lí­tica na­queles que até agora se mo­veram mo­ti­vados ex­clu­si­va­mente pela sua po­sição de classe.

Cabe aos co­mu­nistas di­na­mizar essa luta, as­sociá-la à luta por uma po­lí­tica pa­trió­tica e de es­querda e apro­veitar mais esta opor­tu­ni­dade para afirmar que, com o re­forço do PCP, será pos­sível romper com as po­lí­ticas de di­reita e dar res­postas aos pro­blemas dos tra­ba­lha­dores, do povo e do País.

 



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