Tempestade perfeita
O escândalo envolvendo Manuel Pinho, ex-ministro de José Sócrates, dessacralizou o silêncio de chumbo que caiu sobre o PS desde a prisão preventiva do ex-primeiro-ministro Sócrates, em 21 de Novembro de 2014.
Manuel Pinho foi acusado de receber uma choruda quantia mensal de 15 mil euros de Ricardo Salgado, seu antigo patrão no BES, recebimento ocorrido antes, durante e depois de ter sido ministro. O caso desencadeou um coro de virgens ofendidas bramando que nunca se vira tal coisa em democracia, o que levou a direcção do PS a romper a avisada teoria de «à Justiça o que é da Justiça e à política o que é da política», formulação que parecia abrigar sob o manto diáfano da dita Justiça a necessidade do partido em discorrer politicamente sobre os melindrosos assuntos de altos dirigentes do PS estarem acusados criminalmente. E os dirigentes do PS vituperaram, finalmente, as acusações a Pinho e a Sócrates, «caso a Justiça as confirme e as faça transitar em julgado», o que configura um esforço (veremos se debalde) para repor a teoria do «à Justiça o que é da Justiça».
PSD e CDS cavalgaram a montada, ora exigindo inquéritos parlamentares a Manuel Pinho – a quem acumulam, dia a dia, a gravidade política do seu silêncio –, ora deslizando para o «caso Sócrates», enquanto se esforçam por conter em dirigentes e governos do PS as inquirições, como se não houvesse mais nada a averiguar.
O famoso «bloco central de interesses» repartido entre PS e PSD (com ou sem o penduricalho útil do CDS) repoltreou-se na governação do País por quatro décadas, o que engendrou a apropriação do Estado pela banca e os «grandes negócios» com ela forjados para consolidar grandes empresas e grupos económicos, sob os auspícios governamentais.
O alegado comportamento de Pinho neste processo é o paroxismo da impunidade que se instalou nas esferas do poder, ao ponto de este ex-governante ter o desplante de receber um chorudo vencimento mensal de 15 mil euros do seu antigo patrão, quando sabia (por isso o escondeu em offshores) que um cargo governamental o impedia, em absoluto.
Mas já ninguém, do «bloco central dos interesses», se safa do escrutínio a ocorrer no País. Já lá vai o tempo em que se esfumavam as suspeitas nas declarações pomposas dos inquiridos de que «confiamos na Justiça» e «nada temos a temer», por onde também se esfumaram suspeitos como Dias Loureiro ou a enxurrada de governantes cavaquistas atascados no escândalo BPN – dando só alguns exemplos.
Agora, o «nada tenho a temer» não chega, neste tempo em que já não são os arguidos a «confiar na Justiça», mas o País inteiro que nela acredita. Temos a tempestade perfeita e o seu tempo, para os relapsos.