Debate sobre o Relatório da Comisão Técnica Independente relativo aos incêndios em 2017

Tragédia dos incêndios resulta de décadas de política de direita

CO­MU­NI­DADE Na base da tra­gédia dos in­cên­dios de 2017 estão op­ções de dé­cadas de po­lí­tica de di­reita que tor­naram o País mais vul­ne­rável e de­si­gual, a exigir por isso uma in­flexão de rumo.

Rup­tura com a po­lí­tica de di­reita é uma ne­ces­si­dade ab­so­luta

Esta foi a ideia-forte sus­ten­tada pelo PCP no de­bate par­la­mentar pre­en­chido na to­ta­li­dade no pas­sado dia 28 com o Re­la­tório da Co­missão Téc­nica In­de­pen­dente sobre os in­cên­dios que ocor­reram entre 14 e 16 de Ou­tubro do ano pas­sado em Por­tugal Con­ti­nental.

«Os pro­blemas iden­ti­fi­cados no re­la­tório não são pro­blemas apenas do mo­mento dos in­cên­dios, são pro­blemas diá­rios das po­pu­la­ções e do ter­ri­tório do in­te­rior e do mundo rural e são con­sequência da po­lí­tica de di­reita re­a­li­zada por su­ces­sivos go­vernos PS, PSD e CDS», as­si­nalou o pre­si­dente do Grupo Par­la­mentar do PCP, para quem esta tra­gédia é a «ex­pressão mais dra­má­tica do ponto de re­tro­cesso» a que chegou o País 44 anos de­pois do 25 de Abril.

O mi­nistro da Ad­mi­nis­tração In­terna, Edu­ardo Ca­brita, disse estar o Go­verno a «fazer in­ten­sa­mente tudo para que o fu­turo seja di­fe­rente», as­se­gu­rando que às me­didas to­madas no plano da «pre­venção» se­guir-se-ão ou­tras di­ri­gidas para a «auto-pro­tecção» e, pos­te­ri­or­mente, para «dotar o ICNF de outra na­tu­reza».

«É pre­ciso re­tirar con­sequên­cias das op­ções po­lí­ticas que estão por trás dessa tra­gédia», in­sistiu porém João Oli­veira, jus­ti­fi­cando a apre­sen­tação pela sua ban­cada de um con­junto vasto de pro­postas, «al­gumas pela ené­sima vez», di­ri­gidas para a re­so­lução de pro­blemas con­cretos. Mas não só: ao apon­tarem o «ca­minho a fazer», «con­frontam cada um com a res­pon­sa­bi­li­dade de con­tri­buir para a rup­tura cada vez mais ne­ces­sária com a po­lí­tica de di­reita», su­bli­nhou o líder par­la­mentar do PCP.

Re­ceita de­sas­trosa
Pela sua parte, foi isso que a ban­cada co­mu­nista fez no de­bate ao de­nun­ciar com ve­e­mência uma po­lí­tica que «não tem con­si­de­ração pelo papel que os pe­quenos pro­du­tores de­sem­pe­nham na teia hu­mana de ocu­pação do ter­ri­tório», ad­ver­tindo que isso é «em­purrar o mundo rural para o des­po­vo­a­mento e o aban­dono», é deixar esse ter­ri­tório «à mercê de ca­tás­trofes como a dos in­cên­dios de 2017».

Do mesmo modo que deixar a flo­resta e os pe­quenos pro­du­tores flo­res­tais «en­tre­gues à vo­ragem dos grandes in­te­resses eco­nó­micos», re­alçou João Oli­veira, «é a re­ceita para o de­sor­de­na­mento flo­resta», que, por sua vez, «é o mul­ti­pli­cador dos in­cên­dios flo­res­tais».

«Uma po­lí­tica que na pro­tecção civil não se poupa a en­ga­lanar ge­ne­rais en­quanto des­qua­li­fica sol­dados, que re­tira ao in­ves­ti­mento pú­blico e aos meios de com­bate o di­nheiro que es­banja em con­tratos PPP para ser­viços que não fun­ci­onam como o SI­RESP, é a po­lí­tica de aban­dono das po­pu­la­ções à sua pró­pria sorte que os Re­la­tó­rios iden­ti­ficam nas tra­gé­dias de 2017», sa­li­entou ainda o pre­si­dente da for­mação co­mu­nista, muito crí­tico, por fim, quanto às op­ções que des­troem ser­viços pú­blicos e re­tiram o Es­tado de «três quartos do seu ter­ri­tório em nome de eco­no­mias de es­cala», e com isso se «in­ca­pa­cita o Es­tado», deixa de ser as­se­gu­rada a «uni­ver­sa­li­dade dos di­reitos cons­ti­tu­ci­o­nais dos ci­da­dãos», a pro­tecção das po­pu­la­ções, o de­sen­vol­vi­mento do País, «não apenas nas cir­cuns­tân­cias dos in­cên­dios mas todos os dias».

Pe­sada he­rança
Pos­tura di­fe­rente as­sumiu o PSD, fo­cado que es­teve no ataque ao Go­verno não pelas po­lí­ticas de fundo mas pelo que disse ser a sua «so­berba» e «pro­pa­ganda», pelas «fa­lhas no com­bate e nos avisos à po­pu­lação», porque «não aprendeu nada com a tra­gédia de Junho» (Emília Cer­queira), por ter «ig­no­rado os avisos de risco sério» (Carlos Pei­xoto). Na mesma linha se pro­nun­ciou o CDS, com Telmo Cor­reia a falar numa «falha com­pleta do Go­verno».

«PSD e CDS apenas falam no com­bate porque na pre­venção es­tru­tural e ope­ra­ci­onal – pri­meiro e se­gundo pi­lares –, têm res­pon­sa­bi­li­dade que não querem as­sumir», con­trapôs Jorge Ma­chado.

«Podem mos­trar agora muita in­dig­nação, es­bra­cejar, apontar para o lado, que nada apaga as suas res­pon­sa­bi­li­dades», acres­centou, na in­ter­venção final, João Oli­veira, in­sis­tindo que «mesmo que a de­pu­tada As­sunção Cristas já se tenha es­que­cido do que fez a mi­nistra As­sunção Cristas ou que PSD e CDS só te­nham lido a pá­gina 148 de um re­la­tório de 275 pá­ginas, nada apaga a pe­sada res­pon­sa­bi­li­dade de ambos os par­tidos no ca­minho que con­duziu à tra­gédia de 2017».

Já a ban­cada do PS res­pondeu às crí­ticas de que foi alvo acu­sando as ban­cadas mais à di­reita do he­mi­ciclo de «apro­vei­ta­mento po­lí­tico», de «usarem as tra­gé­dias para efeitos de arma de ar­re­messo po­lí­tico» e de «en­ve­ne­narem» o de­bate».

«De pouco serve cri­ticar a po­lí­tica de di­reita no dis­curso se na acção e na de­cisão cau­ci­onar ou levar mesmo mais longe as mesmas op­ções da po­lí­tica de di­reita que nos trou­xeram a des­graça de 2017», re­agiu João Oli­veira, co­men­tando, em sín­tese, as po­si­ções do PS.

 



Mais artigos de: Assembleia da República

PS e PSD mestres no golpe

A marcar negativamente o debate esteve a decisão de PS e PSD que levou ao impedimento da apreciação simultânea do Relatório com iniciativas legislativas conexas sobre a mesma matéria. João Oliveira falou mesmo em «golpe», acusando ambos de subverterem o regimento, já que essa discussão conjunta do relatório e de diplomas...

Desconsideração de perigos e alertas

A necessidade de proceder a uma «profunda remodelação do modelo de protecção civil» foi colocada no centro do debate pela bancada comunista, que tem aliás já entregue na AR um projecto de resolução nesse exacto sentido com 20 medidas concretas (ver caixa). Propostas que resultam do apuramento de contributos e opiniões em...

Dar vida ao território

O debate dos diplomas do PCP, que não chegou como previsto a realizar-se na passada semana devido à golpada de PS e PSD, foi entretanto agendado para o próximo dia 13. Em apreciação estarão matérias relacionadas com a defesa da agricultura familiar e do mundo rural, com o reforço do apoio às vítimas dos incêndios e à...

O discurso hipócrita dos partidos do despovoamento

O que a tragédia dos incêndios florestais pôs a nu foram as vulnerabilidades estruturais do País provocadas pela política de direita, com efeitos devastadores no mundo rural e na floresta, visíveis em planos como o ordenamento do território, na demografia, nas infra-estruturas e serviços públicos. «Uma floresta semeada...

Votos na AR sobre a Síria e o Iémene

Um voto do BE a condenar a intervenção militar turca no território autónomo curdo em Afrin, na Síria, foi aprovado dia 29, na AR, com os votos a favor do seu autor, PS, PEV e PAN, e as abstenções do PCP, PSD e CDS. Em declaração de voto a bancada comunista releva o facto de o BE, depois de em Fevereiro ter caucionado e...