Não fomos nós, foram eles
Existe no Governo minoritário do PS a convicção de que a mais não será obrigado. É certo que condicionado pela relação de forças actual, o Governo não teve outra alternativa senão a de dar resposta – contrariando até o seu programa – a algumas das mais prementes reivindicações do povo português. Foi assim que os feriados ou as 35 horas foram repostas, que as pensões aumentaram, que se avançou para a extinção do PEC ou o agravamento da derrama sobre as grandes empresas, que medidas como a gratuitidade dos manuais escolares viram a luz do dia. Mas em questões de fundo, estruturais para o desenvolvimento do País, a sua fidelidade à política de direita prevalece.
Procurando iludir essa opção de classe, o Governo decide, não decidindo.
Há um problema gravíssimo resultante da Lei das Rendas de Cristas, com os preços da habitação a disparar e milhares de inquilinos perante a inevitabilidade do despejo, mas a lei mantém-se intacta. Há uma empresa a saque e um serviço público a ser destruído, como é o caso dos CTT, mas o PS junta-se ao PSD e CDS para chumbar a recuperação do controlo público. Há legislação laboral feita à medida do grande patronato mas a opção é de apresentar umas propostas simbólicas para fugir à reposição de direitos que foram roubados.
Em cada uma das situações, o Governo esconde-se por detrás das decisões tomadas lá atrás. Como se o País estivesse condenado a gerir e a sobreviver perante as malfeitorias feitas no passado. Como se deixar quase tudo como dantes não fosse uma forma de perpetuar injustiças. O problema é que essa opção consolida e reforça o poder dos grupos económicos, arrasa com a vida e rouba a esperança a milhões de portugueses. E esta é uma habilidosa forma para, afirmando-se de esquerda, dar força à política de direita.