Ainda o orçamento da UE
Longe vão os tempos em que o orçamento da CEE era direccionado maioritariamente para a chamada Política Agrícola Comum, a PAC, cujo objectivo primordial era aumentar a capacidade produtiva das principais potências capitalistas europeias. Alcançado tal desiderato (com notável sucesso, diga-se), essa mesma PAC, representando ainda uma substancial porção do orçamento, passou a financiar a destruição de capacidade produtiva numa «periferia» entretanto constituída e alargada, onde se incluía Portugal, para onde interessava escoar as produções excedentárias do centro.
O dinheiro da PAC fluía (e ainda flui) em direcção aos diferentes estados-membros segundo um «histórico» de produção que fez (e ainda faz) de uns filhos, e de outros enteados, agravando desigualdades pré-existentes.
Agora que a PAC foi liberalizada, que os instrumentos de regulação da produção e dos mercados foram desmantelados, que o mercado é quem manda, que a concentração capitalista da propriedade e da produção se generalizou arrasando parte importante da pequena e média produção e da agricultura familiar, agora que as desigualdades entretanto cavadas são mais dificilmente combatidas, a PAC passa a ser vista por quem dela mais beneficiou como uma despesa menos necessária, menos justificada. Daí o objectivo fixado de uma progressiva «renacionalização» dos custos da PAC. Repare-se: dos custos, e não da política propriamente dita, já que as regras e constrangimentos continuam a ser ditados ao nível da UE.
Para além da PAC, a «política de coesão» foi constituindo uma outra fatia importante do orçamento, ainda que desde sempre com recursos aquém daquilo que os seus objectivos exigiriam.
A dinâmica de divergência imposta pela integração capitalista tornou necessário, para que as desigualdades se não tornassem insustentáveis, que essa divergência fosse sendo mitigada ou escondida. Assim nasceram os «fundos estruturais» e de «coesão», instrumentais no aliciamento de novas adesões, mas insuficientes para efectivar a tão propalada «coesão económica e social» (a que se acrescentou mais tarde a dimensão «territorial»).
As principais potências europeias, os grandes beneficiários da integração, do mercado único e das políticas comuns, tendem a ver a «política de coesão» como um custo da integração. Um custo necessário para uma redistribuição quanto baste às principais potências, mas que se deve minimizar tanto quanto possível. Assim vem acontecendo. À medida que se aprofundou a integração e os seus instrumentos geradores de divergência, com destaque para a moeda única, os recursos devotados à coesão foram encolhendo. O mesmo aconteceu na medida do alargamento da UE.
Ao longo dos anos e até hoje, o grande capital transnacional, os monopólios europeus e as potências que defendem os seus interesses, não deixaram de levar a água ao seu moinho, conformando o orçamento – na despesa e na receita – aos seus próprios interesses.
A coesão encolheu e encolherá, previsivelmente. Mas aumentaram e aumentarão, previsivelmente, as verbas dirigidas a grandes empreendimentos facilitadores da integração capitalista, visando consolidar e alargar o mercado único a novas esferas da vida económica, social e cultural dos estados; o financiamento directo aos monopólios, através de parcerias público-privado em áreas diversas, de empréstimos e garantias, intermediados pela banca privada, que substituem as subvenções aos estados; o financiamento à indústria do armamento e da guerra.
Estes são termos que enquadram um debate que se desenvolverá nos próximos meses.