Vai trabalhar, malandro!

Margarida Botelho

«Há falta de mão-de-obra em muitos sectores há bastante tempo. Qualquer empresa que queira contratar não consegue. E essa dificuldade é sentida, tanto na agricultura como no turismo, indústria ou serviços, é por toda a parte». Porquê? «Porque não querem trabalhar...»

Quem o diz é Pedro Ferraz da Costa, empresário da área da indústria farmacêutica, rosto do Fórum para a Competitividade. Foi presidente da Confederação Empresarial de Portugal de 1981 a 2001. Esperar-se-ia dele, quanto mais não seja pelo currículo, que estivesse num nível um bocadinho acima de certas boçalidades que se ouvem à mesa dos cafés.

Mas foi esse o tom que Ferraz da Costa escolheu para a entrevista que deu ao i. É uma concepção que radica numa opção de classe. No governo anterior fartámo-nos de ouvir variações do mesmo género sobre os trabalhadores e o povo português: os piegas; os que aguentam, aguentam; os que têm que sair da zona de conforto; os que vivem acima das possibilidades; os que devem emigrar; os que só fazem é greves.

Se há coisa que os portugueses querem é exactamente trabalho. Foi em busca disso mesmo que a esmagadora maioria dos que emigraram nos últimos anos partiram – e bem falta cá fazem. É também a procura de trabalho que faz concentrar população nos grandes centros urbanos. É ver os milhares de trabalhadores que concorrem a empregos em todos os sectores, às vezes quase entupindo concursos, no sector público como no privado.

Não é preciso um olhar assim tão atento para ver que nos sectores que cita grassam a precariedade, os baixos salários, os horários indignos, condições penosas. Talvez isso também ajude a explicar porque é que de certas empresas, de certos empresários e de certos sectores os trabalhadores fogem o mais depressa possível. Pode parecer surpreendente a pessoas como Ferraz da Costa, mas tentar ter uma vida melhor é uma aspiração bastante comum na humanidade.




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