Colheita de fome

António Santos

LUSA

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Nos EUA, mais de 46 mi­lhões de pes­soas re­correm di­a­ri­a­mente ao cartão do Pro­grama de As­sis­tência Nu­tri­tiva Su­ple­mentar (SNAP, na siga in­glesa) para não pas­sarem fome. A pro­posta de Trump, apre­sen­tada na se­mana pas­sada, é que os be­ne­fi­ciá­rios dos food stamps, como é co­nhe­cido o pro­grama fe­deral, não te­nham mais a li­ber­dade de es­co­lher o que comem.

A me­dida, que pre­cisa ainda da apro­vação do Con­gresso, subs­ti­tuiria mais de me­tade do valor do SNAP por uma «Caixa da Co­lheita da Amé­rica»: um pa­cote com «leite, ce­reais para o leite, massa, man­teiga de amen­doim, feijão, fruta en­la­tada e ve­ge­tais en­la­tados», tudo, fez saber a Casa Branca, «cem por cento cul­ti­vado e pro­du­zido nos EUA» e zero por cento fresco.

Esta foi a forma do go­verno do país mais rico do mundo dizer a 50 mi­lhões de pes­soas que não têm o di­reito de comer fruta nem ve­ge­tais frescos. A men­sagem para os be­ne­fi­ciá­rios do SNAP, dois terços dos quais são cri­anças, idosos ou pes­soas com de­fi­ci­ência, é que não têm di­reito a tomar de­ci­sões sobre a sua pró­pria ali­men­tação porque os po­bres só pre­cisam de «leite, ce­reais para o leite, massa, man­teiga de amen­doim, feijão, fruta en­la­tada e ve­ge­tais en­la­tados». Toda uma de­cla­ração de guerra. Não à po­breza, mas aos po­bres.

A pro­posta vem a co­berto de uma cam­panha me­diá­tica que pro­cura as­so­ciar o SNAP à pre­guiça dos seus be­ne­fi­ciá­rios, à compra de pro­dutos in­de­co­rosos à po­breza ho­nesta, como bifes de vaca, e à re­venda dos ali­mentos com­prados. Es­ta­tís­ticas do go­verno fe­deral, porém, si­tuam as si­tu­a­ções de fraude no li­miar dos três por cento e re­velam que, entre os adultos em idade ac­tiva, 58 por cento tra­balha e 82 por cento tra­ba­lhava até há um ano.

Querem tudo e lutam por tudo

É pro­vável, no en­tanto, que a «Caixa da Co­lheita» seja mais uma cor­tina de fumo: em anos an­te­ri­ores, os de­mo­cratas pro­pu­seram testes de urina men­sais para ga­rantir que os be­ne­fi­ciá­rios dos food stamps não con­somem drogas e os re­pu­bli­canos su­ge­riram que o cartão não per­mita com­prar bifes, só para citar al­guns exem­plos. Em ambos os casos, as pro­postas mor­reram no Con­gresso, mas ser­viram para criar um am­bi­ente po­lí­tico pro­pício ao de­sin­ves­ti­mento pú­blico no SNAP.

A sus­peita ganha força se con­si­de­rarmos o corte de 218 mil mi­lhões de dó­lares que Trump quer fazer em pro­gramas de as­sis­tência ali­mentar até 2028, in­cluindo um corte de 30 por cento no SNAP já em 2019. Dei­xando cair a pro­posta da «Caixa da Co­lheita», a pou­pança seria al­can­çada in­tro­du­zindo novos e mais ele­vados re­qui­sitos para aceder ao SNAP. À se­me­lhança do que está em cima da mesa do Me­di­caid (pro­grama fe­deral de acesso a cui­dados de saúde para os mais po­bres), para con­se­guir food stamps seria ne­ces­sário, para além de au­ferir um ren­di­mento muito baixo, fazer vo­lun­ta­riado, não re­jeitar pro­postas de tra­balho in­de­pen­den­te­mente das con­di­ções, fazer prova de can­di­da­turas de em­prego, tra­ba­lhar mais do que 7 horas por dia e en­frentar um pe­sa­delo bu­ro­crá­tico.

De uma ou de outra forma, a guerra contra as ca­madas mais em­po­bre­cidas da classe tra­ba­lha­dora es­tado-uni­dense está a en­trar numa nova e te­mível fase em que até os di­reitos apa­ren­te­mente mais sim­ples e ir­re­ver­si­vel­mente ad­qui­ridos, como poder comer fruta e ve­ge­tais frescos, se re­velam alvos a abater na liça da luta de classes.




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