Orçamento da UE: perspectivas pós-2020
Começou a discussão sobre as linhas com que se irá coser o próximo Quadro Financeiro Plurianual – o orçamento da UE a partir de 2021. Eis alguns aspectos mais marcantes deste debate, com algumas notas de enquadramento.
1. O orçamento da UE tem evoluído no sentido da sua diminuição global e da diminuição das verbas atribuídas à «coesão económica e social» – os famosos «fundos da UE». Estes fundos foram a moeda de troca pela destruição da agricultura, das pescas e da indústria nacionais. Parca moeda para tão grande destruição. Moeda que serviu também para pagar importações, num mercado interno cada vez mais colonizado pela produção estrangeira.
2. Desde há vários anos que o saldo das transferências da UE para Portugal – via orçamento – é superado pelo saldo das transferências de Portugal para a UE, sob a forma de juros, lucros e dividendos. Pagamos à UE mais do que dela recebemos – eis o retrato de um país subordinado, dependente, endividado.
3. Por um lado, acentua-se o efeito de divergência económica e social no seio da UE. O mercado único, as políticas comuns, a moeda única, pela sua própria natureza, são geradores de divergência entre os Estados-Membros. Por outro lado, o instrumento que supostamente deveria combater essa divergência e promover a convergência – o orçamento da UE (e em particular a fatia desse orçamento dedicada à «coesão económica e social») – tem vindo a ser enfraquecido. A «função redistributiva» do orçamento é cada vez mais uma miragem. O resultado só pode ser um: mais divergência.
4. Além do dinheiro ser cada vez menos, a sua utilização está cada vez mais condicionada não aos interesses e prioridades do país mas sim àquilo que se considera serem «as prioridades da UE».
5. O debate sobre as perspectivas pós-2020 tem como ponto de partida a saída do Reino Unido da UE e uma provável nova redução do orçamento, que será, assim, ainda mais exíguo do que actualmente já é. Com previsível diminuição da fatia da «coesão» e aumento das verbas associadas às políticas «emergentes» da UE: militarismo, intervencionismo externo, «segurança». Ao mesmo tempo que se aprofunda a integração capitalista nos seus variados domínios – mercado único, políticas comuns, União Económica e Monetária (UEM). O resultado: mais divergência.
6. A criação de uma linha orçamental específica para a Zona Euro com «função estabilizadora» está longe de poder mitigar esta dinâmica de divergência, pelo contrário, seja pela sua previsível muito exígua dimensão, seja porque se prevê que esteja fundamentalmente ao serviço da promoção das chamadas «reformas estruturais».
7. Os fundos na forma de subvenções aos Estados serão reduzidos em favor da generalização do modelo de «empréstimos»/garantias, dos chamados «instrumentos financeiros», das parcerias público-privado. Para países como Portugal, tal só agravará o efeito do previsível corte no orçamento.
8. Portugal é o país em que os «fundos da UE» representam uma percentagem maior do total de investimento público – cerca de 80 por cento, contrastando com 8 por cento noutros países. Se se reduzir ainda mais o orçamento e, em particular, o da «coesão»; se se mantiverem as restrições ao investimento público por via do orçamento nacional, o que já é ínfimo pode praticamente desaparecer. Consequências: debilitação do aparelho produtivo, obsolescência de infraestruturas, etc. Some-se a isto os efeitos resultantes do aprofundamento da integração capitalista, do mercado único, da UEM, e aí temos uma combinação potencialmente devastadora.