Linha de manipulação
A luta dos trabalhadores da Autoeuropa contra a intenção da empresa de impor o trabalho obrigatório aos sábados tem sido usada pela comunicação social dominante e pelos comentadores de serviço para atacar o PCP e a luta travada na empresa contra a desregulamentação dos horários de trabalho, recorrendo a invenções e mentiras. A táctica de pôr trabalhadores contra trabalhadores não falha: há quem queira pôr «sindicalizados» de um lado e «trabalhadores independentes» do outro, como se uns fossem instrumentos numa estratégia maquiavélica e outros estivessem ungidos de uma pureza absoluta.
Mudam os termos mas o objectivo mantém-se. O dirigente do BE e antigo membro da CT da Autoeuropa, António Chora, em entrevista, alega que há uma divisão entre os que querem trabalhar ao sábado e os que não querem – mesmo que não reconheçam que na Autoeuropa sempre se trabalhou ao sábado quando foi preciso. Mas para o efeito mediático, é preciso pôr os trabalhadores de fora contra os da empresa. Assim, multiplicaram-se notícias após se saber que estava a ser estudado um apoio público para o prolongamento do horário das creches dos filhos dos trabalhadores da Autoeuropa, facilitando a aceitação do trabalho ao sábado.
Insinuando mais um privilégio, todo o tratamento mediático passou ao lado do essencial: que sociedade queremos construir? Uma em que os extraordinários avanços da ciência e da técnica coexistem com horários de trabalho cada vez mais longos? Em que ao invés de se adequarem os ritmos de trabalho à vida pessoal e familiar se criam autênticos depósitos de crianças (como fez a Auchan, com creches abertas até à meia-noite e meia) para permitir todo o tipo de desregulação dos tempos de trabalho?
A maioria das notícias, dos comentários e dos artigos de opinião ajudaram a mistificar e a amplificar a ideia de que os trabalhadores da Autoeuropa são privilegiados. De quando em vez lá vão surgindo as notícias de salários de milhares, quando na verdade quem entra na empresa vai ganhar pouco mais de 600 euros.
Entretanto, não faltam as acusações de instrumentalização dos trabalhadores pelo PCP e pelo seu «braço sindical». Fizeram-no nesta semana o líder parlamentar e a presidente do CDS-PP, nas jornadas parlamentares do partido no distrito de Setúbal. Mas, talvez mais significativas, foram as palavras do secretário-geral da UGT nessa mesma iniciativa partidária, ao lado do presidente da CIP: «Ou há estabilidade interna ou os administradores podem perder a paciência», avisou. Para quem não tivesse percebido, explicou melhor: ou têm juízinho e aceitam o que o patrão quer ou há outros «países interessados» em receber a fábrica da Volkswagen. Depois, Carlos Silva atirou-se aos «agitadores profissionais» nos plenários da empresa que acham que ainda estão em 1917. E nem um jornalista o confrontou...
Sobra a realidade: foi a maioria dos trabalhadores da empresa que decidiu chumbar a imposição do trabalho aos sábados com a perda remuneratória que daí decorre e assumir a luta pelo direito à conciliação de vida profissional com a vida pessoal e familiar.