Imagens
Há uma fotografia de uma garota vietnamita a correr, nua e em chaga, a arder em napalm. Estava-se no auge da guerra dos EUA ao Vietname e o registo, pela evidente brutalidade, propalou-se pelo mundo como imagem icónica da brutalidade absoluta da agressão ao povo vietnamita, prenunciando o fim da guerra, em 1975, com derrota militar dos EUA.
Passaram 43 anos sobre essa derrota e algo mudou, no uso predatório da guerra pelos dirigentes norte-americanos, mais uma vez cumprindo a advertência marxista-leninista de que o imperialismo, quando acossado na sua obsessão de predominância, não hesita em violar quaisquer regras.
A digestão da derrota do Vietname não permitiu aos EUA, nos primeiros 20 anos, ir além da invasão de Granada ou a apoiar golpes fascistas como o de Pinochet, no Chile. A queda da União Soviética e do mundo socialista, em 1991, escancarou a iniciativa ao imperialismo que, nos 23 anos seguintes, levou a guerra e a violência étnica e religiosa literalmente a todo o mundo.
A desregulamentação indiscriminada começou com Ronald Reagan, um anticomunista empedernido que abriu caminho não apenas aos «boys de Chicago», ao seu neoliberalismo e à destruição das pensões de muitos milhões de norte-americanos, mas também à especulação bolsista e financeira que desembocaria na crise de 2007/8, a tal que ainda hoje o mundo continua a pagar com língua de palmo e onde o sistema financeiro faliu completamente.
Nestes últimos 30 anos o imperialismo incendiou o Médio Oriente com as «primaveras árabes», destruiu o Iraque, a Líbia e a Síria, armou e treinou a Al Qaeda e decorrentes grupos de terrorismo autoproclamado islâmico e agora, com Trump a mudar a embaixada dos EUA para Jerusalém, começou a incendiar fogueiras junto ao barril de pólvora em que transformou todo o mundo islâmico.
Mas a linguagem também foi mudando em termos e expressões, como «insurgente» em vez de guerrilheiro, ou «danos colaterais» e «fogo amigo», que banalizaram actos tão inaceitáveis há umas dúzias de anos como liquidação de inocentes ou liquidação dos próprios camaradas de armas.
Não se trata apenas da banalização do horror, mas da sua aceitação como realidade admissível. Pelo mesmo caminho vão os direitos tidos como adquiridos – realidades que, a coberto da crise, começam a ser despudoradamente postas em causa.
Neste início de 2018 uma fotografia como a da jovem vietnamita queimada por napalm já não mobilizaria tanta indignação, como bem se viu com a arrepiante fotografia de um bébé afogado numa praia europeia onde desembocam refugiados e que, semanas depois, já ninguém recordava.
Mas uma coisa é tão certa como esta voracidade imperialista: os «insurgentes» não páram com mudanças de nome e as contas serão sempre feitas e acertadas.