«Pilar social» é operação cosmética das políticas neoliberais da União Europeia
POLÍTICA SOCIAL A recente assinatura do chamado «Pilar Europeu dos Direitos Sociais» constitui «uma tentativa de branqueamento» das políticas anti-sociais levadas a cabo pela União Europeia, afirmam os deputados do PCP no PE.
Uma Europa social não é compatível com as políticas neoliberais
Em nota de imprensa divulgada dia 13, os deputados do PCP no Parlamento Europeu analisam os princípios enunciados no dito «Pilar Social», considerando que se trata de «um exercício de intenções», «sem medidas concretas que contribuam para de facto combater os graves problemas sociais identificados».
Assim, o objectivo da iniciativa é promover a «falsa ideia da compatibilidade entre o respeito pelos direitos sociais e as políticas da UE que objectivamente os limitam e negam».
Sobre o capítulo dedicado às «iguais oportunidades e acesso ao mercado de trabalho», os deputados do PCP observam que «mais do que a defesa dos direitos laborais, do emprego e de efectivas políticas activas de criação de emprego, defende um apontado “apoio activo ao emprego”, traduzido num suposto apoio à procura de emprego, à formação e requalificação, reafirmando o que já existe: sistemas que foram desvirtuados na integração e procura de emprego, responsabilizando os trabalhadores na procura ou criação do seu próprio posto de trabalho, ou mecanismos ardilosos que mascaram o desemprego real a par de promoverem a colocação laboral em regimes de vínculo precário e futuro incerto.
«Refere-se o direito à educação e à formação, mas submetidas aos ditames do denominado “mercado de trabalho”, ou seja, dos grandes grupos económicos e financeiros, e não como a consagração do direito à educação progressivamente gratuita inscrito na Constituição da República Portuguesa, que deve ser entendido não só como elemento para a formação dos trabalhadores, mas para a formação integral do cidadão. Recorde-se que a política de direita de sucessivos governos e as orientações e imposições da UE têm promovido a privatização e elitização do ensino.
«É referida igualmente a necessidade da igualdade entre mulheres e homens. Contudo, essa justa preocupação é contrariada pelas opções políticas que têm minado a contratação colectiva. Defende-se, e bem, o direito a salário igual para trabalho igual entre homens e mulheres; no entanto, a Comissão Europeia retirou este justo princípio da proposta do destacamento de trabalhadores que está a ser actualmente discutida.
«A igualdade de oportunidades é referida no documento mas contrariada na prática pelas crescentes discriminações e desigualdades que se acentuam, com a precarização e desregulação laboral, e com a desprotecção social. Caminho que vinha já sendo percorrido e que se agravou com as imposições da troika – da UE, do BCE e do FMI.»
O elogio da precariedade
No capítulo dedicado às «condições justas de trabalho», os deputados do PCP apontam «uma contradição entre uma pretensa intenção de melhoria das condições laborais e a necessidade da flexibilização do trabalho que, segundo a União Europeia, deve, inclusive, ser integrada em acordos colectivos de trabalho, obviamente, em benefício do patronato».
«O denominado “Pilar Social” da UE implode a protecção do posto de trabalho. Nele não só se menoriza o vínculo laboral ao nível do direito de informação dos trabalhadores (como se não existissem contratos de trabalho e uma lei geral do trabalho, a par de acordos colectivos sectoriais que regulamentam a tipologia, os direitos e obrigações), como se assume uma visão facilitadora do despedimento, assente na possibilidade inquestionável de despedir, condicionada à “informação” atempada dessa decisão. Ou seja, uma visão do emprego assente na desregulação e desprotecção laboral e no facilitamento dos despedimentos. Não é, aliás, por acaso, que o documento defende um pretenso “diálogo social” que despreza as organizações de trabalhadores e o movimento sindical e que ataca a contratação colectiva.
«Também aqui, a resposta ao desemprego, que se reconhece como persistente, é orientada para a “formação”, o “empreendedorismo” e o “auto-emprego”, que em países como Portugal, através dos recibos verdes, esconde uma imensidão de necessidades permanentes ou alimenta negócios ditos “inovadores” como a UBER. Desresponsabiliza-se o Estado e passam a ser os trabalhadores os responsáveis pela criação do seu próprio emprego.
«Toda a retórica em torno das condições mais justas de trabalho é contrariada não só pelo passado recente das imposições da troika, de ataque aos salários e aos direitos laborais, como pelos documentos de reflexão que enquadram a discussão da “dimensão social” no dito “futuro da UE”, e que apontam para as “reformas estruturais” dos sistemas de proteção social e dos direitos laborais, para o aumento da idade da reforma, para o condicionamento dos níveis salariais à produtividade, para a associação de salário mínimo ao nível de risco de pobreza (o que em Portugal se situaria nos 421 euros) ou para a alteração da carga fiscal sobre o trabalho com o objectivo de reduzir os custos da contratação por parte do grande patronato.
Defendem-se salários mínimos dignos, num aviltante exercício de hipocrisia dos mesmos que criticaram Portugal, nomeadamente através dos mecanismos do Semestre Europeu, pelo aumento do salário mínimo nacional, que permanece em valores reais abaixo do valor definido em 1974.»
Uma visão mercantilista
dos serviços públicos
Sobre o capítulo dedicado à «protecção social e inclusão», os deputados do PCP notam que este «assenta numa visão mercantilista em que se transforma o acesso aos serviços públicos, no acesso a “serviços de interesse geral”, privatizados e sustentados pelo Estado (como com as parcerias público-privadas), relegando a capacidade de se lhes aceder e a sua qualidade à capacidade económica de cada um. Uma subversão que se estende a serviços como a protecção social, a água, o saneamento, a habitação, os transportes ou as comunicações, alimentando as políticas de destruição das funções sociais do Estado e de privatização de serviços públicos, bem conhecidas dos portugueses, nomeadamente por via da política de direita e das orientações da União Europeia».
Os deputados do PCP chamam ainda a atenção para «duas contradições de fundo» do chamado «Pilar Europeu dos Direitos Sociais»:
«Em primeiro lugar é proclamado exactamente no momento em que a Comissão Europeia avança com o roteiro para o Aprofundamento da União Económica e Monetária, cujas políticas económicas neoliberais negam intenções enunciadas neste documento. A justiça social é indissociável da política económica. Tentar compatibilizar neoliberalismo económico com justiça social é, ou uma imensa ilusão, ou, como é o caso, um embuste.
Em segundo lugar, e decorrente da primeira contradição, pauta-se pela ausência de medidas concretas, essenciais para uma política de justiça social, como sejam: o aumento dos salários e dos rendimentos do trabalho; a diminuição dos horários de trabalho e uma efectiva regulação das condições de trabalho; uma justa redistribuição da riqueza e justiça fiscal; a valorização do trabalhador e da sua segurança nos vínculos e relações laborais; a consagração e defesa dos direitos da contratação colectiva; a assunção pelos Estados das suas funções sociais, nomeadamente por via de serviços públicos, universais, de qualidade, que garantam protecção social, serviços de cuidados para as crianças e idosos, o acesso universal e gratuito à saúde e à educação.»
Em suma, este denominado «Pilar Social» «dá sequência a uma visão de nivelamento por baixo de direitos sociais à escala europeia» e é «acima de tudo uma “capa social”», para ocultar «os objectivos de exploração dos trabalhadores e de oferta de mão-de-obra barata, de degradação dos serviços públicos e funções sociais dos Estados, nomeadamente comprometendo a Segurança Social pública, solidária e universal».
«Uma Europa verdadeiramente social não é compatível com as políticas do euro, da união bancária, da governação económica, do semestre europeu, de militarização, do ataque a liberdades, à democracia, à soberania e ao direito dos povos ao desenvolvimento», concluem os deputados do PCP no PE.