Vertigem obscurantista

António Santos

Cada vez mais confortável na posição de presidente dos EUA, Donald Trump foi capaz de tomar as rédeas do Partido Republicano, afastar os principais adversários internos e pôr em marcha um processo histórico de reorganização do Grand Old Party.

A vertigem reaccionária é mais notória nos tweets sórdidos, nos escândalos ininterruptos e nas conferências de imprensa em que o multimilionário parece furar o guião do capital para cumprir uma agenda desvairada e só sua. Nos bastidores do partido, porém, vivem-se alterações orgânicas e ideológicas tão reais como o recrudescimento do obscurantismo naquele país, a ofensiva de classe contra os trabalhadores ou a crescente agressividade imperialista.

Os exemplos estão por todos os lados. Para disputar as eleições senatoriais do Alabama, na terça-feira, Trump escolheu um pedófilo com dezenas de processos em curso por abuso sexual de menores. Roy Moore, um juiz até há pouco considerado um personagem menor do campo conservador, já fora afastado da magistratura por se recusar a retirar do tribunal uma estátua de duas toneladas dedicada aos dez mandamentos. Noutra instância, foi afastado por começar os julgamentos com sessões de estudo bíblico. Estrela sinistra do evangelismo fundamentalista, defende abertamente a criminalização da homossexualidade e a revogação da emenda constitucional que aboliu a escravatura, passado que considera aliás ter sido «a última vez que a América foi grandiosa».

No Novo México, o aparelho de Trump está a forçar uma reforma educativa para banir do ensino público e privado figuras como Malcolm X, Rosa Parks e Martin Luther King, substituindo o conhecimento científico pelo criacionismo.

A nível Federal e estadual, uma magistratura cada vez mais alinhada aumenta exponencialmente as penas por delitos comuns, atiça as redadas da ICE, a polícia dos imigrantes, e dá suporte às mais variadas iniciativas legais contra os sindicatos.

E, contra todas as previsões dos democratas, os lucros em bolsa batem recordes, a confiança das grandes empresas rejubila com o plano fiscal do «Robin Hood ao contrário», a burguesia aplaude a desvalorização real dos salários e a «economia», essa, abstractamente entre aspas, cresce à maior velocidade dos últimos vinte anos. É caso para recordar a velha provocação: «se é este o preço de ter os melhores corta-unhas da História Universal, prefiro cortar as minhas com pedras».




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