Escravos e indignação
A divulgação de imagens de um mercado de escravos nos arredores de Tripoli, capital da Líbia, chocou muita gente, incluindo o secretário-geral da ONU que se mostrou «horrorizado». É mais do que justa a indignação, e no caso do secretário-geral da ONU é inclusive uma obrigação. Mas não chega. Não basta afirmar que «a escravatura não tem espaço no nosso mundo». É necessário ir às causas, e elas são essencialmente duas.
A primeira é o capitalismo e as formas de exploração e opressão que aprofunda no seu desenvolvimento. Vários estudos indicam que a escravatura e o tráfico de seres humanos tem vindo a aumentar nas últimas duas décadas e meia. Um estudo elaborado em 2016 aponta a existência de 40 milhões de escravos no Mundo, número que está muito abaixo daquilo que será a realidade. Trabalho forçado (que alimenta os lucros de grandes multinacionais em variados continentes) e prostituição são os dois maiores «destinos» dos escravos dos tempos modernos, do quais um quarto são crianças e a esmagadora maioria (71%) mulheres.
A segunda causa decorre da política imperialista de guerra e recolonização imperialista. As intervenções imperialistas no Norte de África e Médio Oriente causaram um aumento exponencial do movimento de refugiados e migrantes. A resposta xenófoba e militarista da União Europeia escancarou as portas às migrações clandestinas, pasto para os traficantes de seres humanos e para o florescente mercado de escravos que está longe de se confinar à Líbia. Basta por exemplo reter que em 20 dos 27 países da União Europeia o risco de escravatura tem vindo a aumentar.
Ou seja, a indignação de Guterres deveria estender-se às decisões do próprio Conselho de Segurança da ONU, que patrocinou a destruição de países inteiros, como a Líbia, onde agora se vende escravos a 338 euros a cabeça e onde há dez anos a sua população gozava de um dos maiores índices de desenvolvimento humano de todo o continente africano.