Manobras incendiárias
A pretexto dos incêndios florestais, e pendurados nas legítimas angústias e fundadas preocupações face aos mesmos, às suas origens, causas e consequências, estão em marcha manobras cujo alcance vai muito para lá da floresta e da sua defesa. Falemos sobre três delas.
Não foi o Estado que falhou. foi a política de direita e é essa que querem absolver
LUSA
«A culpa é das terras sem dono». Esta manobra colhe junto dos que, a partir da cidade, são confrontados com a ideia do abandono e da falta de gestão da floresta, mas também junto daqueles que, no mundo rural, conhecem silvados com metros de altura, giestas e acácias sem controlo. Visando criminalizar os pequenos agricultores e os pastores, associando-os aos incendiários, sendo antiga, esta manobra teve no governo PSD/CDS um fôlego importante, e ganhou agora um novo aliado, o BE, que pôs Francisco Louçã no ataque ao PCP, apelidando-nos de reaccionários defensores da micro propriedade.
Mas esta tese, que esquece que o Pinhal de Leira tem milhares de hectares e não foi isso que o salvou das garras do fogo, serve para esconder a responsabilidade da política de direita no abandono, na destruição de milhares de explorações agrícolas, na degradação de serviços públicos, na autêntica expulsão das populações dos seus lugares de origem. E, não menos decisivo, ela serve o velho objectivo da concentração da propriedade. Sobre isto, será necessário não esquecer que a proposta do Governo que esteve em debate público, que o BE nunca contestou, previa a definição administrativa das terras sem dono conhecido, a sua colocação no Banco de Terras e a sua entrega, quase de imediato, aos interesses privados, e custos e problemas para os proprietários que viessem reclamar o que é seu. E mesmo a proposta que acabou por ser chumbada, prevendo a sua gestão pelo Estado, era completamente incongruente com a decisão de integrar todas as propriedades rústicas do Estado na Bolsa de Terras, numa confissão de desinteresse do Governo em fazer a sua gestão.
Sublinhe-se que a tentativa de esbulho da pequena propriedade, contrastando com o silêncio face à grande propriedade, e ao grau de absentismo que é por todos conhecido, e até é subsidiado, é a peça que falta no puzle da Política Agrícola Comum. Com o objectivo de alargarem mercados ao grande agro-negócio, retiraram os apoios à pequena produção, destruíram milhares de explorações, extinguiram serviços públicos, expulsaram os produtores das suas localidades e agora resta tirar-lhes, em definitivo, as propriedades.
«O Estado falhou». Esta operação, a que PSD e CDS se dedicam com grande afinco, e sobre a qual o PS não vai mais longe para não ser atingido por ela, insere-se na operação ideológica contra o papel do Estado na sociedade, de defesa do Estado mínimo e de questionamento das suas funções sociais, a que, note-se, o BE veio agora dar também a sua contribuição.
Ora não foi o Estado que falhou. Foi a política de direita e é essa que querem absolver. Foram as opções dos primeiros-ministros, ministros da Agricultura, ministros da Administração Interna, que promoveram uma política concreta, que deu o resultado que se conhece. Foram os sucessivos presidentes da República que aceitaram tratados internacionais e imposições externas que deles decorrem, e que até as defenderam e defendem ainda hoje, as mesmas que estão na origem do desinvestimento público na defesa da floresta.
«O PCP não faz nada». Pasme-se que há já quem diga que não só não fazemos nada, como somos responsáveis pelo que aconteceu. Ora o PCP, que tem um património de intervenção ímpar, sempre afirmou que o que falta não é nova legislação, são meios e determinação na sua concretização. Chamámos a atenção em Junho para o que era necessário fazer e até estivemos na origem de uma Lei de Apoio às Vítimas, aprovada pela primeira vez na AR, em que se colocaram com clareza os aspectos em que se deveria intervir. Lei que só não foi aprovada na globalidade em Julho porque o PS o recusou.
Questionámos a lógica de aprovação à pressa de nova legislação em Junho, e a vida veio provar que tínhamos razão. Até hoje continuam por concretizar muitas dessas decisões.
Ao dizerem que o PCP não faz nada procuram minimizar a profundidade das suas propostas e opiniões e condicionar a sua acção para o futuro. Veremos agora, no debate do Orçamento do Estado, quem faz o quê!