A impotência

Henrique Custódio

«Foi pura maldade», disse o presidente dos EUA, Donald Trump, sobre mais uma chacina perpetrada por um cidadão dos EUA em Las Vegas, no Nevada.

Em pormenor, um indivíduo de 64 anos instalou-se num hotel virado para uma praça onde decorria um concerto country e, armado com espingardas metralhadoras de guerra, disparou rajadas durante largos minutos sobre a multidão, assassinando 58 pessoas e ferindo mais de 500 outras. Quando a polícia finalmente chegou ao apartamento onde o homicida se barricara, este disparou sobre si próprio e suicidou-se.

Os terroristas do Daesh acorreram mais uma vez a reivindicar o genocídio, coisa que as autoridades norte-americanas refutaram de imediato, consolidando-se a desconfiança de que um dia destes os extremistas começarão a reivindicar até as vítimas dos sismos e dos furacões.

O presidente Trump, com a galhardia de um sargento-lateiro a vociferar para uma caserna de recrutas, lá disse que o genocídio fora um acto de «pura maldade», louvando de seguida as forças policiais que «salvaram muitas vidas», sem se deter mais nas 58 pessoas que, efectivamente, perderam as vidas, nem sobre o problema do uso indiscriminado de armas nos EUA não se resolver ou travar com policiamentos – e, recorde-se, os EUA estão no topo dos estados policiais.

Tiroteios mortais fazem, desgraçadamente, parte do quotidiano dos EUA, ocorrendo regularmente episódios sangrentos em escolas, bares, ruas e em qualquer lado, onde jovens ou mais velhos irrompem de armas na mão a alvejar quem lhes aparece à frente, ao ponto de os EUA serem, de longe, o país onde ocorrem mais incidentes desta natureza.

A raiz do problema é abundantemente conhecida nos EUA e fora deles: está na famosa Emenda redigida nos primórdios da fundação do país, que permite e garante o uso e o porte de armas a qualquer cidadão. Na altura – e estamos a falar do século XVIII – a medida teve carácter revolucionário, pois o uso e porte de armas estava reservado à nobreza e, além disso, o uso de armas era indispensável aos confrontos inerentes à expansão pelos vastos territórios habitados pelos norte-americanos autóctones, os famosos «índios» que, aliás, seriam metodicamente chacinados pelos EUA em construção.

Entretanto, esses mesmos EUA tornaram-se a grande potência mundial, o país que possui as mais poderosas Forças Armadas e o Estado de direito com o maior policiamento do mundo. A par disso, uma indústria e comércio de armas floresceu esplendorosamente e são os seus proprietários/beneficiários que ferozmente se opõem ao controle severo de uso e porte de armas, escudando-se na famosa Emenda que, naturalmente, há muito deixou de fazer sentido.

E os presidentes sucedem-se, tal como os massacres, para repetirem as mesmas palavras pias e a mesma impotência.




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