Comentário

Mais uma passo na concentração do sistema financeiro

Miguel Viegas

Mais de 300 mil accionistas ficaram a arder com o seu capital

Apesar de a União Bancária ter sido criada para resolver a questão dos bancos demasiados grandes para falir, a verdade é que a sua implementação tem resultado numa crescente concentração do sistema financeiro. Não é por acaso que o PCP desde logo caracterizou a União Bancária como um meio para retirar competências aos estados nacionais no controlo do seu sistema bancário e promover uma concentração e centralização do capital financeiro à revelia dos povos e dos seus interesses.

A venda do Banco Popular de Espanha ao Santander por um euro representa o exemplo vivo da natureza da União Bancária e quais os interesses em jogo. A operação desta venda, promovida na noite de terça-feira 6 de Junho, é apresentada como um enorme êxito do Mecanismo Único de Resolução. Perante uma situação de grave crise de liquidez do Banco Popular, foi encontrada uma solução que preserva a existência da empresa (veremos o que sobra de facto depois da reestruturação), mantém a estabilidade do sistema financeiro e não implicou um cêntimo do erário público. Hurra! Viva a União Bancária!

Sem querer estragar a festa, existem contudo algumas questões que merecem ser colocadas. O Banco Popular, criado em 1926 e conhecido como o braço financeiro da Opus Dei, era considerado como o banco mais rentável de Espanha. Passou com distinção em todos os testes desta coisa maravilhosa que dá pelo nome de Mecanismo Único de Supervisão.1 Como é então possível que o Banco Popular tenha falido assim de repente? Como explicar por exemplo que o Santander tenha oferecido em Dezembro passado quatro mil milhões de euros pela compra do Banco Popular que acabou por comprar, escassos meses depois por um simbólico euro? Quanto aos custos para o contribuinte, que dizer dos cinco mil milhões de fundos públicos injectados na recapitalização de 2012? Com as novas regras são mais de 300 mil accionistas que ficaram a arder com o seu capital, sendo que muitos deles participaram no ano passado no aumento de capital comprando acções do banco a 2,5 euros cada uma. É a outra face do capitalismo popular que afecta igualmente muitos aforradores que foram literalmente enganados com a aquisição de dívida subordinada.2 Quem se pôs ao fresco foi o conhecido fundo de investimento BlackRock que conseguiu vender os 90 milhões de acções que detinha do Banco Popular precisamente na véspera da intervenção do BCE. É caso para dizer, não acreditamos em bruxas mas...

Com esta operação, o Grupo Santander passa a ser o maior banco em Espanha, com uma quota de mercado superior a 20%. Em Portugal, depois de ter ficado com o Banif, o Santander engole agora o Banco Popular e fica com a sua rede de agências, ultrapassando assim a Caixa Geral de Depósitos em número de balcões. A necessidade de um controlo público da banca e do sistema financeiro assume hoje mais do que nunca uma plena atualidade!

 

1 A União Bancária foi criada com três pilares, o Mecanismo Único de Supervisão, o Mecanismo Único de Supervisão e o Sistema Europeu de Garantia dos Depósitos, com este último ainda em fase de criação.

2 Esta é mais uma aldrabice do sistema financeiro que criou estes produtos (dívida Júnior, CoCos ou instrumentos híbridos) que são vendidos como títulos obrigacionistas mas que se transformam em capital quando é necessário salvar a pele dos banqueiros.

 



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