Não decidir, decidindo...
A Altice saltou novamente para as primeiras página dos jornais. Ao mesmo tempo que está em marcha um violentíssimo ataque a milhares de trabalhadores da PT, que detém, a multinacional francesa prepara a aquisição de um importante grupo económico de comunicação social, a Mediacapital, detentora da TVI, a principal estação de televisão privada.
A questão está na coragem do Governo de decidir contra a Altice
Dir-se-á que é o «normal funcionamento do mercado», um dos muitos negócios numa economia aberta, tudo «dentro da lei», e que nada haverá a fazer a não ser esperar pela intervenção das chamadas entidades reguladoras, essas miríficas instituições por onde o capitalismo monopolista se esconde. Uma vez mais o País está confrontado com a voragem de multinacionais estrangeiras, que assaltam os seus sectores estratégicos, com uma concentração crescente da propriedade e dos lucros que não ficam cá, com reflexos nos trabalhadores, mas também na economia e na vida democrática do País.
A Altice não criou até hoje um único posto de trabalho em Portugal. Entrou no País, como tantas outras, adquirindo uma grande empresa já existente prosseguindo depois uma estratégia de redução de custos – cortando no investimento, na investigação, nos compromissos com o Estado, nos direitos dos trabalhadores. «Ganhar valor» para futuros negócios segundo a gíria do PSI-20. Nem mais nem menos do que o destino de muitas outras empresas que foram privatizadas nas últimas décadas.
No caso da PT, cujo processo de privatização se iniciou em 1995, a última machadada foi dada em 2013 com a eliminação da chamada Golden Share, uma derradeira mas importante garantia que o Estado português detinha. Foi uma das primeiras decisões concretizada no âmbito do Pacto de Agressão que PSD, PS e CDS assumiram com o FMI, a UE e o BCE, mostrando que mais do que o controlo das contas públicas o verdadeiro objectivo foi o de facilitar ainda mais a apropriação privada de recursos nacionais. PS, PSD e CDS partilham por inteiro responsabilidades políticas sobre as privatizações, que só foram entretanto travadas perante a correlação de forças alcançada após as eleições de 2015.
Envolvida em escândalos financeiros como os do Grupo Espírito Santo, porta giratória entre governantes e administradores, praça de grandes operações financeiras como a aquisição da Vivo no Brasil, plataforma de evasão fiscal como o do gigantesco negócio da venda da Vivo à Telefónica, a PT acabou nas mãos da Altice. Aquela que foi a maior empresa do País – pelos mais de 10 mil trabalhadores, pelos centros de investigação, pela infra-estrutura estratégica, pela dimensão e cobertura nacional – está a ser preparada para, uma vez desmembrada/destruída, ser vendida noutros apetecíveis negócios.
E é sobre os trabalhadores que recai a mais imediata ameaça: para concretizar o despedimento de cerca de 3000, centenas deles estão a ser transferidos para empresas recém-criadas pelo grupo (visando a perda de direitos e seu despedimento futuro), outros a ser alvo de pressões, entre elas a colocação em salas de «disponíveis» sem tarefas atribuídas visando forçá-los a cederem às «rescisões amigáveis».
Concentração e submissão
Por outro lado, a concretizar-se a compra pela Altice da Mediacapital, seria dado um passo preocupante na concentração do sector do audiovisual, com o dono da principal plataforma de distribuição do sinal a deter simultaneamente o principal operador de televisão. Negócio com consequências em todo o sector e que teria como inevitável desenlace novas fusões e aquisições nesta área.
Face aos objectivos da Altice, a resposta não pode ser a que PSD e CDS ensaiaram, assumindo as dores da multinacional francesa. Mas não basta fazer um ar zangado, como o do actual primeiro-ministro – agravado pela circunstância das suas inúmeras falhas no SIRESP e noutras dimensões dos serviços públicos que controla ou a que está obrigada – mas sem as medidas concretas para travar a impunidade com que a Altice actua. É uma forma de decidir... Do mesmo modo que não há nenhuma interpretação criativa do Código do Trabalho que possa dar cobertura a uma estratégia de destruição da PT, o Governo português não pode também aceitar um negócio (Mediacapital) que colocaria nas mãos da Altice um poder que mais ninguém detém. Uma vez mais a questão estará na coragem e determinação do poder político de decidir pelos interesses nacionais contra as intenções de uma multinacional.
E se no plano imediato, se coloca como exigência travar os objectivos da Altice, a resposta de fundo só será alcançada pela recuperação do controlo público da PT. Ou isso, ou a destruição de um «activo» do País e a perda de soberania nacional.