14 de Julho
O aprofundamento da crise do capitalismo baralha alianças
A anunciada presença de Trump nas comemorações oficiais do Dia Nacional da França é mais uma sombria manifestação de reaccionarismo do novo governo francês. O 14 de Julho, que celebra a Tomada da Bastilha, símbolo de uma revolução que proclamou a Liberdade, a Igualdade e a Fraternidade como valores universais de civilização, é manchado por cerimónias oficiais que constituem um insulto ao seu significado original: popular, progresista e revolucionário.
Não é a primeira vez que esta data histórica é aproveitada pela classe dominante para dar corpo a mensagens reaccionárias. Mas nem por isso deixa de ser significativo que o novo presidente da França convide Trump a assistir a uma parada nos Campos Elísios em que, para cúmulo, desfilam destacamentos militares norte-americanos. Isto num momento em que a nova administração dos EUA não só acentua a aventureira política belicista do imperialismo norte-americano, como se encontra desacreditada e relativamente isolada, como se viu na cimeira do G20 de Hamburgo.
Muitos comentadores interrogam-se sobre o sentido deste grave passo da diplomacia francesa, quando o eixo franco-alemão se reforça e empreende com grande agressividade – curiosamente a pretexto do «vazio» deixado pelo «desinvestimento» dos EUA na «segurança da Europa» – um novo salto neoliberal, militarista e federalista da integração capitalista europeia, ao mesmo tempo que entre os EUA e a Alemanha se verificam sérias disputas no plano económico com incidência não desprezível na política externa germânica, como é lícito deduzir da visita de Trump à Polónia ou dos recentes encontros de Merkel com Xi Jiping e com Putin. Será que com tal gesto Macron pretende ganhar peso negocial no directório de grandes potências que comanda a União Europeia? É possível.
Na secreta diplomacia do imperialismo nada é de descartar em matéria de beijos de Judas e facadas nas costas. É da natureza do capitalismo. E o aprofundamento da crise do sistema está a baralhar alianças e a romper os mais laboriosos compromissos no próprio campo imperialista, como sucede com o acordo de Paris sobre as alterações climáticas ou com o TTIP e outros tratados de «livre comércio» que Trump considera não favorecerem suficientemente o grande capital norte-americano.
Mas a contradição fundamental entre o capital e o trabalho assim como a contradição entre o imperialismo e os povos sujeitos a relações de exploração e opressão nacional são quem, em última análise, determinam o binómio articulação/rivalidade intrínseca ao imperialismo. Ao fim e ao cabo são essas contradições que explicam o comportamento da clique que governa em Paris. Afinal o convite a Trump para o 14 de Julho é coerente com a primeira visita de Macron ao estrangeiro, ao Mali, país na esfera do neocolonialismo francês ao serviço do qual morreu recentemente um militar português. Como é coerente com a ofensiva feroz que o governo de Macron está a conduzir, de modo acelerado, contra os direitos dos trabalhadores, de que é expressão o código de trabalho ultramontano que pretende impor até ao fim do verão, ou contra direitos e liberdades fundamentais, propondo-se constitucionalizar e tornar permanente as medidas do estado de excepção.