De Paris
No próximo domingo decidir-se-á sobre o novo presidente francês e todos se concentram na premissa fundamental de derrotar a candidata neonazi Marine Le Pen. A Europa tem na memória a profunda dor do fascismo e a França, ocupada durante quatro anos, devia ter essa memória em carne viva.
Não tem, porque as memórias em carne viva regeneram-se como a vida e o que funciona nas sociedades são as memórias curtas e directas do quotidiano.
E essas memórias são vivas e doem quotidianamente, como o desemprego e a disfunção social, a segregação em guetos socioeconómicos ou o medo do futuro. Essas cruas realidades foram aceleradas em França por acção directa do agora candidato Emmanuel Macron, aquando da sua curta carreira política de ministro da Economia de François Hollande. É o rosto das «reformas» que aplicou implacavelmente aos trabalhadores franceses, com a frieza dos banqueiros e seguindo a mesma cartilha escrita e imposta pelo Eurogrupo.
É este Macron o oponente da neofascista platinada Marine Le Pen (como lhe chamou o historiador Manuel Loff), que se está a aproveitar da degradação do PS francês e dos diversos «gaullistas» concentrados nos Republicanos, ou seja, o PS e o PSD locais.
Mas essa degradação – à semelhança de várias semelhantes pela Europa, Ásia, América ou Oceania – não se deve a malapatas organizacionais desses partidos políticos ou à «usura do poder», como flauteiam os teóricos da praxe e da praça, para branquear a raiz do problema.
A degradação vem toda das políticas de direita praticadas por esses partidos em completa subordinação ao poder financeiro e especulativo, concomitantes com o incumprimento constante de promessas eleitorais, concorrendo para o descrédito irreparável dos partidos que têm exercido o poder no sistema democrático burguês.
Os neofascistas de Marine Le Pen cavalgam esta onda, onde tumultuam o descontentamento social e político, explorando também o medo do terrorismo e calcando as teclas primárias para acordar o pavor do desconhecido.
A França do Iluminismo, da Revolução Francesa e da Comuna de Paris não é um país qualquer e a memória da ocupação nazi pode não estar em carne viva, mas deixou cicatrizes no povo francês das que não se esquecem.
Aliás, esta escolha sinistra entre o neofascismo e o establishment governamental de direita não é virgem, já ocorreu quando o pai de Le Pen passou à segunda volta das presidenciais com Jacques Chirac. E é preciso não esquecer que os franceses, passados dez anos após terem esmagado a candidatura neofascista, não viram a vida melhorar, mas piorar.
Le Pen e o neofascismo têm de ser derrotados e o povo francês derrotá-los-á. Se Macron persistir na mesma política de Hollande, o povo francês também lhe saberá responder.