De Paris

Henrique Custódio

No pró­ximo do­mingo de­cidir-se-á sobre o novo pre­si­dente francês e todos se con­cen­tram na pre­missa fun­da­mental de der­rotar a can­di­data ne­o­nazi Ma­rine Le Pen. A Eu­ropa tem na me­mória a pro­funda dor do fas­cismo e a França, ocu­pada du­rante quatro anos, devia ter essa me­mória em carne viva.

Não tem, porque as me­mó­rias em carne viva re­ge­neram-se como a vida e o que fun­ciona nas so­ci­e­dades são as me­mó­rias curtas e di­rectas do quo­ti­diano.

E essas me­mó­rias são vivas e doem quo­ti­di­a­na­mente, como o de­sem­prego e a dis­função so­cial, a se­gre­gação em guetos so­ci­o­e­co­nó­micos ou o medo do fu­turo. Essas cruas re­a­li­dades foram ace­le­radas em França por acção di­recta do agora can­di­dato Em­ma­nuel Ma­cron, aquando da sua curta car­reira po­lí­tica de mi­nistro da Eco­nomia de Fran­çois Hol­lande. É o rosto das «re­formas» que aplicou im­pla­ca­vel­mente aos tra­ba­lha­dores fran­ceses, com a frieza dos ban­queiros e se­guindo a mesma car­tilha es­crita e im­posta pelo Eu­ro­grupo.

É este Ma­cron o opo­nente da ne­o­fas­cista pla­ti­nada Ma­rine Le Pen (como lhe chamou o his­to­ri­ador Ma­nuel Loff), que se está a apro­veitar da de­gra­dação do PS francês e dos di­versos «gaul­listas» con­cen­trados nos Re­pu­bli­canos, ou seja, o PS e o PSD lo­cais.

Mas essa de­gra­dação – à se­me­lhança de vá­rias se­me­lhantes pela Eu­ropa, Ásia, Amé­rica ou Oce­ania – não se deve a ma­la­patas or­ga­ni­za­ci­o­nais desses par­tidos po­lí­ticos ou à «usura do poder», como flau­teiam os teó­ricos da praxe e da praça, para bran­quear a raiz do pro­blema.

A de­gra­dação vem toda das po­lí­ticas de di­reita pra­ti­cadas por esses par­tidos em com­pleta su­bor­di­nação ao poder fi­nan­ceiro e es­pe­cu­la­tivo, con­co­mi­tantes com o in­cum­pri­mento cons­tante de pro­messas elei­to­rais, con­cor­rendo para o des­cré­dito ir­re­pa­rável dos par­tidos que têm exer­cido o poder no sis­tema de­mo­crá­tico bur­guês.

Os ne­o­fas­cistas de Ma­rine Le Pen ca­valgam esta onda, onde tu­mul­tuam o des­con­ten­ta­mento so­cial e po­lí­tico, ex­plo­rando também o medo do ter­ro­rismo e cal­cando as te­clas pri­má­rias para acordar o pavor do des­co­nhe­cido.

A França do Ilu­mi­nismo, da Re­vo­lução Fran­cesa e da Co­muna de Paris não é um país qual­quer e a me­mória da ocu­pação nazi pode não estar em carne viva, mas deixou ci­ca­trizes no povo francês das que não se es­quecem.

Aliás, esta es­colha si­nistra entre o ne­o­fas­cismo e o es­ta­blish­ment go­ver­na­mental de di­reita não é virgem, já ocorreu quando o pai de Le Pen passou à se­gunda volta das pre­si­den­ciais com Jac­ques Chirac. E é pre­ciso não es­quecer que os fran­ceses, pas­sados dez anos após terem es­ma­gado a can­di­da­tura ne­o­fas­cista, não viram a vida me­lhorar, mas pi­orar.

Le Pen e o ne­o­fas­cismo têm de ser der­ro­tados e o povo francês der­rotá-los-á. Se Ma­cron per­sistir na mesma po­lí­tica de Hol­lande, o povo francês também lhe sa­berá res­ponder.

 



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