O aeroporto feudal

Manuel Gouveia

No Aeroporto de Lisboa publicaram um bizarro regulamento. Bizarro porque foi publicado no século XXI, naquela amputada forma de escrever português que alguns usam depois do Acordo Ortográfico, mas com o conteúdo que se esperaria encontrar num pergaminho escrito em latim.

Proíbe esse regulamento que os trabalhadores da zona comercial do Aeroporto possam comer nas esplanadas, cafés ou restaurantes dessa zona. Magnânimo, o regulamento autoriza-os a aí comprar comida e bebida, mas força-os a tomá-las na sala de refeições dos trabalhadores. Sozinhos, que se tiverem a visita de algum familiar ou amigo não podem comer juntos nem na zona comercial nem na sala de tomada de refeições.

E o que é ainda mais bizarro é que a comunicação aos trabalhadores desta anormalidade é feita num tom de quem está a dar alguma coisa (a subequipada sala para tomada de refeições), de quem espera um agradecimento ou aplauso.

De há muito que o Aeroporto de Lisboa deveria garantir a todos os trabalhadores condições dignas para a tomada de refeições, o acesso aos refeitórios existentes, salas dignas para mudança de roupa com cacifos individualizados, acesso ao estacionamento gratuito nas horas em que não existem transportes públicos, etc. Afinal trata-se do maior local de trabalho de Lisboa e ali existem infra-estruturas e receitas suficientes para garantir um trabalho digno a todos. Se há muitos anos deixou de ser essa a lógica da ANA, com a sua entrega à multinacional tudo se degradou, pois a sede de lucros e rendas impõe o seu caminho e cada vez mais trabalhadores são aí mais precarizados e mais explorados, enfrentando a sistemática e impune violação da lei e da dignidade que esta (ainda) confere ao trabalho.

Vivemos no capitalismo e nada disto nos pode surpreender. Mesmo os traços feudais ou os tiques de casta. Os que ficam surpreendidos, que abram os olhos e se juntem à luta para o superar.




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