Um Estado

Jorge Cadima

O que se com­pre­ende mal, no meio disto tudo, é o papel da ONU

Trump aco­lheu nos EUA o pri­meiro-mi­nistro de Is­rael, o car­ni­ceiro de Gaza Ne­tanyahu. Por entre de­cla­ra­ções de amor mútuo na con­fe­rência de im­prensa con­junta, Trump dis­tan­ciou-se da po­lí­tica ofi­cial da ONU ao longo de dé­cadas: a pro­messa de dois es­tados em ter­ri­tório pa­les­tino. Disse que tanto fazia uma so­lução de dois es­tados, ou de um Es­tado, e ca­beria a Is­rael e aos pa­les­tinos de­cidir. Falsa in­ge­nui­dade e falso dis­tan­ci­a­mento. A so­lução 'um Es­tado' de Trump e Ne­tanyahu não é um Es­tado para todos quantos vivem no ter­ri­tório his­tó­rico da Pa­les­tina. É o Es­tado ju­daico do Grande Is­rael, ex­clu­si­vista e xe­nó­fobo, ane­xando a Margem Oci­dental e er­guido sobre uma ul­te­rior lim­peza ét­nica dos pa­les­tinos.

As ma­no­bras do im­pe­ri­a­lismo para do­minar o Médio Ori­ente podem estar prestes a ter um novo salto qua­li­ta­tivo. No seu re­cente dis­curso pe­rante a As­sem­bleia Geral da ONU, Ne­tanyahu disse que «as re­la­ções di­plo­má­ticas de Is­rael» com os países árabes «estão a so­frer uma re­vo­lução» pois estes «co­meçam a re­co­nhecer em Is­rael, não o seu ini­migo, mas um aliado» (Je­ru­salem Post, 22.9.16). Os 'países ára­bes' de que fala são as petro-di­ta­duras do Golfo, os mai­ores pro­mo­tores e fi­nan­ci­a­dores do ter­ro­rismo fun­da­men­ta­lista que as­sola a re­gião, ao ser­viço do im­pe­ri­a­lismo. Os países árabes laicos, nas­cidos da luta de li­ber­tação na­ci­onal dos povos árabes, têm es­tado a ser des­truídos, um a um, pelo im­pe­ri­a­lismo e Is­rael. Pelos Bushs, Clin­tons, Obama e o ter­ro­rismo ao seu ser­viço.

A Arábia Sau­dita, Catar, EAU estão há muito, pela ca­lada, em in­tensa co­la­bo­ração com Is­rael, não apenas na pro­moção dos bandos tipo ISIL e Al Qaeda mas também na compra de armas e, como re­lata um re­cente ar­tigo da Blo­om­berg (2.2.17), em ne­gó­cios com em­presas tec­no­ló­gicas e de 'se­gu­rança' de Is­rael (uma das quais – a Athena GS3 – che­fiada por um ex-chefe dos ser­viços se­cretos de Is­rael, a Mossad). Se­gundo a Blo­om­berg «não é que a Paz tenha che­gado ao Médio Ori­ente. Não se trata de con­verter es­padas em arados; é o re­sul­tado duma con­ver­gência ló­gica de in­te­resses, ba­seada em re­ceios par­ti­lhados: duma bomba ira­niana, do terror jiha­dista, de in­sur­rei­ções po­pu­lares, e de uma re­ti­rada dos EUA da re­gião». Me­tade men­tira e me­tade ver­dade. Não há bomba ira­niana e o terror jiha­dista é obra deles pró­prios. O que re­al­mente re­ceiam é a re­sis­tência e re­volta po­pu­lares, e o en­fra­que­ci­mento do papel he­ge­mó­nico dos EUA.

Trump ameaça virar-se contra o Irão, o único país da lista de países a in­vadir ela­bo­rada pelo Pen­tá­gono (se­gundo o Ge­neral Wesley Clark) que ainda não foi ob­jecto duma agressão mi­litar di­recta. Os aven­tu­rei­ristas im­pe­ri­a­listas so­nham com es­tender a esse grande país as suas re­ceitas: a guerra, o caos e a des­truição. As di­ta­duras árabes que aceitem co­la­borar terão, a prazo, o mesmo des­tino do seu an­te­cessor Saddam Hus­sein: de­pois de tra­zerem a des­graça para os povos da re­gião, serão var­ridas pelas pró­prias po­tên­cias im­pe­ri­a­listas que ser­viram, e que apenas co­biçam as suas ri­quezas. Ou serão var­ridas pelos seus povos.

O que se com­pre­ende mal, no meio disto tudo, é o papel da ONU. No­tí­cias da im­prensa is­ra­e­lita re­ferem que Tzipi Livni (mi­nistra da Jus­tiça de Is­rael du­rante o mas­sacre de 2014 em Gaza) foi con­vi­dada por Gu­terres para um lugar de sub-Se­cre­tária Geral da ONU (Ha­a­retz, 12.2.17). O pre­si­dente de Is­rael Ri­vlin apoiou pu­bli­ca­mente essa even­tu­a­li­dade (Ha­a­retz, 13.2.17). Uma tal no­me­ação seria pre­miar o maior in­fractor de re­so­lu­ções da ONU. Seria es­fa­quear pelas costas os pa­les­tinos, ao fim de 70 anos de pro­messas por cum­prir. Seria co­locar cri­mi­nosos de guerra nas che­fias da ONU.




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