A habitação e o papel do Estado
Debater e aprofundar problemas e o papel do Estado na prossecução do direito constitucional à habitação é o objectivo do Seminário que o Partido promove na próxima terça-feira, 14, em Lisboa.
A realidade aí está a refutar a teoria de que «o mercado resolve»
Para explicar a iniciativa que ocorre no Hotel Lisboa Plaza, a partir das 14h30, falámos com Fernando Sequeira, da Comissão de Actividades Económicas (CAE) junto do Comité Central, e Lino Paulo, do Grupo de Trabalho das Autarquias Locais, que entreabriram a porta do Seminário «Direito Constitucional à Habitação – O papel do Estado», em cujo encerramento intervirá o Secretário-geral do PCP, Jerónimo de Sousa.
Desde logo, relativamente ao Seminário coloca-se a questão da sua oportunidade. A última iniciativa do Partido dedicada àquele direito consagrado no texto fundamental da República Portuguesa remonta a 2007, aquando da preparação da Conferência Nacional sobre Questões Económicas e Sociais. Pese embora o PCP tenha sobre a questão da habitação vasta e profunda análise e conclusões (nas resoluções dos congressos, no Programa do Partido, etc.), vale a pena voltar a reflectir sobre o tema, considera Fernando Sequeira.
Centrando-se no fundamental, o membro da CAE do PCP lembra que uma constante é a contradição entre uma necessidade humana básica e o seu reconhecimento como direito constitucional em Portugal, e os interesses ligados à habitação. Antagonismo, sublinha, que se agudizou nos últimos anos com a penetração em força do capital financeiro no imobiliário.
«Entrou-se numa alucinação completa de produção de casas, criando excedentes que ainda perduram. O número de fogos vagos varia muito, mas o montante a que ascendem no seu conjunto é estimado em milhares de milhões de euros», prossegue. «Entre 1987 e 2011, o Estado entrou com cerca de oito mil milhões de euros para crédito bonificado. Dinheiro que ia direitinho para os bolsos dos banqueiros. Um crescente número de novas habitações coabitavam com imóveis habitacionais degradados e com tanta gente sem casa para viver», lamenta Fernando Sequeira.
Lino Paulo, por seu lado, realça que a entrada do capital financeiro no imobiliário foi inclusivamente analisada por Karl Marx, confirmando-se, ainda hoje, que para aumentar as suas mais-valias não basta àquele produzir e rentabilizar habitações, precisa de rendas fundiárias. Percebe-se, por isso, que a política de solos venha a ser uma das matérias abordadas no Seminário.
O mercado resolve?
A especulação é um fenómeno que se inicia ainda durante o fascismo, é travada com a Revolução de Abril e a implementação de políticas públicas destinadas a garantir o direito constitucional à habitação, sendo retomada com a criação de condições para a recuperação do capital financeiro, facultadas pelos governos liderados por Mário Soares, consolidadas pelos sucessores liderados por Cavaco Silva, e prosseguidas de forma agravada por todos os seguintes, lembra Lino Paulo.
A questão em todo este longo e não-linear processo histórico – que o Seminário deverá esmiuçar – é a seguinte: «o mercado resolve [a satisfação da necessidade de habitação], como nos disseram?», questiona o membro do GTAL do PCP.
A realidade aí está a refutar a teoria de que «o mercado resolve». «Existem centenas de milhares de fogos vagos e os preços não baixam. A banca portuguesa, em face da crise [do sistema capitalista desencadeada a partir de 2007/8], desfez-se dos imóveis menos valiosos. O que é apetecível, manteve para operações futuras», acrescenta Lino Paulo.
Ora, se o mercado não resolve, quem o fará? Fernando Sequeira e Lino Paulo concordam que terá de ser o Estado. O segundo, adverte, porém, que neste âmbito é preciso definir quem no Estado enfrenta o problema. «Se for para atirar para as mãos das autarquias fica em causa a universalidade do direito constitucional», uma vez que «uma política válida e aplicável não pode depender da disponibilidade financeira ou opção política conjuntural de tal ou tal município», afirma Lino Paulo, para quem a iniciativa da próxima terça-feira poderá avançar elementos neste domínio.
Já Fernando Sequeira concentra atenções sobre outro aspecto: a dinamização do mercado de arrendamento. «Arrendamento com condições e estabilidade que assegure às famílias um direito por longo tempo.»
Fernando Sequeira e Lino Paulo concordaram, ainda, que o Estado deve ter um papel substancialmente mais interventivo quando se trata de assegurar o direito constitucional à habitação. Não apenas no que diz respeito à construção de habitação social, mas, pelo contrário, sendo um agente económico activo no mercado.
Reabilitar cidades
Outras questões que seguramente serão abordadas no Seminário promovido pelo PCP referem-se à reabilitação. Para Fernando Sequeira, considerando o número de fogos vagos, a reabilitação de habitações para alojar famílias, não sendo desprezível, pelo contrário, tem actualmente pouca expressão. Outra coisa é a reabilitação de imóveis cuja propriedade está a passar para as mãos estrangeiras, incluindo do grande capital financeiro, a um nível preocupante.
Por outro lado, para Lino Paulo «seria incorrecto proibir completamente o alojamento local, mas a actual cavalgada desregulada está a provocar uma enorme pressão sobre moradores e comerciantes». Além da expulsão destes e da consequente desvitalização de determinadas zonas nas cidades [despidas que ficam de outras vivências que não as sazonais ligadas à monocultura do turismo], grassa novamente a especulação, afirma.