Divagações

Henrique Custódio

Há dias, um jovem taxista em Lisboa (tinha 27 anos) afirmou-me o seu encanto pelo Pai Natal e «a tradição» que ele representava, ficando surpreendido quando o informei que o Pai Natal era uma invenção da Coca-Cola norte-americana nos idos de 1931, criando a figura (agora «icónica») de um idoso gordo, de barbas brancas, risonho e vestido de vermelho, que saíra da arte de um ilustrador famoso na época, Haddon Sundblom, contratado pela administração da empresa para uma campanha que contrariasse a brutal queda de receitas da bebida durante o Inverno.

Antes disso, o amável taxista já havia apresentado, como «prova irrefutável» da importância da Coca-Cola na cultura dos povos, um filme que vira contando a história da queda de uma garrafa de Coca-Cola numa «aldeia em África», o que «revolucionou a vida daquela gente».

Elucidei-o de que falava de um filme de 1980, Os Deuses Devem Estar Loucos (ele exultou ao reconhecer o título), e poupei o meu jovem taxista à maçada de divagações sobre a diferença de uma comédia (o caso do filme) e um documentário antropológico (aparentemente, a leitura que ele fizera da fita).

Explana-se aqui a eficácia da propaganda (ou «publicidade», como alguns gostam de dizer) no convencimento das massas populares acerca seja do que for, com o pormenor de a repetição sistemática da mensagem transformar em verdade corriqueira o que, mentirosamente, foi inventado por uns criativos quaisquer. O nazi Goebbels resumiu esta «técnica» na sua famosa frase «uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade».

Esta manipulação das pessoas através da propaganda não se fica pela repetição ad nauseam de um produto, espraia-se em expedientes infinitos e um dos mais vulgares, sobretudo na técnica informativa das televisões, é focar as atenções num pormenor secundário (quando não irrelevante) e desvalorizar ou secundarizar, assim, o assunto principal. Esta manobra é muito usada quando se pretende apoucar, por exemplo, um comício ou uma jornada de luta e se busca depoimentos que pareçam dissonantes, pondo em acção outra máxima famosa da comunicação moderna – em televisão, o que parece, é.

A eleição de Donald Trump como presidente dos EUA mostrou espectacularmente o poder que a propaganda bem direccionada tem – e entenda-se «bem direccionada» pelo que visa e acerta nos chamados «público-alvo». Foi o caso da demagogia fascistóide de Trump – atirar com promessas de emprego e bem-estar aos muitos milhões de norte-americanos há décadas desiludidos com a constante e progressiva degradação das suas vidas.

Há leis objectivas na luta dos povos que nenhuma propaganda dos poderosos conseguirá iludir.

O Papa português, João XXI, também declarou heréticas as leis da Natureza. Acabou soterrado debaixo do tecto, por acção da lei da gravidade.

 



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