O «radicalismo do amor»

Carlos Gonçalves

Por nomeação de P. Portas, referendada em congresso, Assunção Cristas é presidente do CDS-PP há um ano. Em Novembro escreveu no jornal da SONAE um texto que referia o «radicalismo do amor» como caminho alternativo aos «populismos». Em síntese, a expressão, retirada de uma qualquer homilia, surgia como uma espécie de programa «democrata cristão», pseudo inspirado na doutrina social da Igreja e pretensamente diverso dos «ódios» e «radicalismos» em que navegariam outras forças políticas.

Não é aqui o espaço para a história e as contradições entre as teses de uma encíclica do final do século XIX, em que se revê Cristas, e as de hoje. A sua opção é esclarecedora. Mas importa lembrar que, desde meados do século XX, está claro que as opções religiosas não obrigam a filiações partidárias. Há católicos em todas as forças e projectos. Aliás, na mesma linha, a Constituição estabelece que os partidos não podem usar denominações «relacionadas com quaisquer religiões ou igrejas».

Assim, o abuso da expressão «radicalismo do amor» foi considerado, mesmo por gente insuspeita, como instrumentalização da religiosidade pelo marketing político do CDS-PP. A própria Cristas foi obrigada a não a repetir.

Mas o essencial da política e da propaganda do CDS-PP – o vale tudo para enganar o «povinho» (é assim que lhe chamam) – continua a fazer o seu caminho, sempre com apoio dos média dominantes. Depois da derrota do PSD/CDS, assumiram o desígnio do seu branqueamento, para voltar a governar e servir os grandes interesses.

É como se nunca tivessem governado, como se Cristas não tivesse sido ministra, como se nada tivessem a ver com a troika, a PAC, o capital monopolista. Propõem tudo e o seu contrário, em busca de novos enganados – Cristas candidata à Câmara de Lisboa e «política pela positiva» –, para engordar à custa do PSD e do PS, como se não houvesse amanhã, convencidos de que podem enganar toda a gente para sempre. O mesmo que P. Portas e o seu partido sempre fizeram. Da União Nacional para se dissimular em «centrismo» e «democracia cristã», depois de direita e popular, e agora de novo «cristão», «pela positiva» e o «radicalismo do amor». Uma ópera bufa de hipocrisia e sem vergonhismo.




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