Desconfianças

Henrique Custódio

«Eu desconfio hoje que não há plano de coisa nenhuma», desconfiou Passos Coelho sobre o «plano de recapitalização» da CGD que, segundo ele, «deve ser apresentado ao País».

Coelho devia saber que um político que governou durante quatro anos e meio sem dar contas de nada a ninguém (nem ao Tribunal Constitucional), não tem autoridade para exigir o que quer que seja a «ser apresentado ao País».

Além disso, o «ex-chanceler no exílio» já devia ter percebido que as suas previsões ou desconfianças são catastróficas, sobretudo para si próprio. É só desenrolar as vezes que previu o desastre iminente do Governo do PS ou o seu anúncio da «vinda do Diabo».

Apesar de o PS ter escolhido Paulo Macedo para dirigir a CGD – ministro do governo PSD/CDS que, laboriosamente, tentou desmantelar o SNS –, Passos Coelho não desiste de atacar o Executivo do PS através da Caixa, continuando a colocar a sua «agenda» à frente dos interesses do País.

Aliás, isso ficou pateticamente exposto na cerimónia produzida por Passos Coelho de homenagem ao fundador do PSD, Sá Carneiro, onde depôs solenemente uma coroa de flores junto a uma estátua do homenageado, por ocasião do aniversário do acidente de aviação que o vitimou, em 1980. Aí, Coelho reivindicou o princípio que, segundo ele, teria sido definido por Sá Carneiro, no qual o País «estava sempre à frente de tudo».

Para ele, à frente de tudo só se for as homenagens.

Passos Coelho está definitivamente preso no seu labirinto e, como se tivesse palas nos olhos, só observa o que se desenrola à frente do nariz.

No caso, o homem apenas vê a queda do Governo como meio de voltar ao poder, acirra-se nisso e os apaniguados esforçam-se por ver nesta falta de estratégia a marca de «uma forte personalidade».

Mas o seu «que se lixem as eleições» diz mais dele do que o próprio desejaria, pois no «que se lixem» esconde-se a omnipotência suicida que se vê nos jogadores compulsivos, confiantes num golpe de sorte de últimas hora (que tendem a confundir com «golpe de asa») para os pôr a vencer in extremis.

Todavia, se há coisa que preocupe Passos é mesmo as eleições, como se viu, não há muito tempo, quando se pôs a acusar o Governo do PS de estar a prometer aumentos por causa das eleições autárquicas. Ele sabe o que a casa gasta e tende a confundir os outros consigo próprio, mas a preocupação está lá e com razões para isso, como se deduz da já notória dificuldade em apresentar candidaturas – «sonantes» ou não – para os mais importantes municípios do País.

O tempo está a esgotar-se para Passos Coelho e ele pressente-o. Se não tivesse uma tão «forte personalidade» até já o sabia. Mas numa coisa está certo – hoje, «não há plano de coisa nenhuma», com um pormenor: é na cabeça dele que esta ausência ocorre.

 



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