Acesso à gestação de substituição

Persistem as dúvidas e preocupações

O projecto de lei destinado a permitir a gestação de substituição, com alterações introduzidas após o veto do Presidente da República, foi aprovado dia 20 pela Assembleia da República.

Apesar das alterações o texto da lei continua a não responder a inúmeras questões

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O novo diploma contou com os votos favoráveis do BE (autor da iniciativa legislativa), PS, PEV, PAN e 20 deputados do PSD, os votos contra da maioria dos deputados do PSD, do PCP, do CDS e de dois deputados do PS. Registou-se ainda a abstenção de oito deputados da bancada laranja.

Em 7 de Junho, Marcelo Rebelo de Sousa, usando pela primeira vez o veto político, baseou-se nos pareceres do Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida e devolveu o diploma ao Parlamento para uma «oportunidade de ponderar, uma vez mais, se quer acolher as condições preconizadas».

A legislação em causa introduz a possibilidade de uma mulher suportar uma gravidez por conta de outrem e entregar a criança após o parto, renunciando aos poderes e deveres da maternidade, a título excepcional e com natureza gratuita, para casos como a ausência de útero.

Fundamentando o voto contra da sua bancada, a deputada comunista Paula Santos considerou que, não obstante as alterações introduzidas, o texto da lei «continua a não responder às inúmeras preocupações e apreensões que resultam do debate», e já anteriormente sinalizadas pelo PCP, permanecendo «sem resposta» muitas interrogações.

É o caso do problema já anteriormente assinalado da definição do critério de acesso com a referência subjectiva a «situações clínicas que o justifiquem», permitindo o alargamento do recurso à gestação de substituição sem depender de um critério objectivo.

 Propostas insuficientes

 Por outro lado, a aplicação à mulher que suporta a gravidez das regras relativas aos direitos e deveres dos beneficiários das técnicas de procriação medicamente assistidas não ultrapassa as questões suscitadas quanto à «protecção do bem-estar, da integridade física e da saúde da gestante de substituição durante todo o processo, especialmente durante a gravidez e no período posterior».

Assinalado pela parlamentar comunista, noutro plano, foi o facto de a nova redacção continuar a não dar concretização às preocupações suscitadas pelo Conselho Nacional de Ética e para as Ciências da Vida, designadamente quanto à «verificação cumulativa de aspectos relativos à informação do casal beneficiário e à gestante de substituição», aos «termos da revogação do consentimento e suas consequências», à «previsão de disposições contratuais para o caso de ocorrência de malformações ou doenças fetais e de eventual interrupção da gravidez», bem como quanto à decisão sobre quaisquer intercorrências de saúde ocorridas na gestação, quer a nível fetal, quer a nível materno». É assim claro, para o PCP, que as propostas agora apresentadas são «insuficientes e até de resultado indeterminado».

 Complexidade

 Reafirmada pela bancada comunista foi por fim a posição de que a gestação de substituição tem implicações físicas e psíquicas que não podem ser ignoradas e que exigem uma reflexão acrescida.

Como sublinhou Paula Santos, a intervenção directa de uma terceira pessoa, uma outra mulher que intervém profundamente no processo de gravidez, introduz um conjunto de potenciais conflitos e questões éticas que têm que ser consideradas, não só relativamente às pessoas envolvidas na técnica mas também entre as mesmas e a criança gerada.

«Suportar uma gravidez durante nove meses é algo que conduz a enormes transformações na mulher e no seu corpo, em que se tecem ligações afectivas e emocionais da grávida com o ser que está a gerar», realçou a parlamentar comunista, sustentado que seria profundamente errado considerar que pelo facto de uma mulher aceder a ter uma gestação de substituição é como se nada tivesse ocorrido no que a gravidez tem de biológico, psicológico e afectivo».

E concluiu que a ausência de resposta às dúvidas e e questões só comprova a «elevada complexidade desta matéria» e demonstra que não estão reunidas condições neste texto legal para a sua aprovação.

Questões por responder

 Outra questão relevante, do ponto de vista do PCP, é a que se prende com a circunstância de a informação dos beneficiários e da gestante de substituição quanto ao desenvolvimento embrionário e fetal «não eliminar a possibilidade de incumprimento do dito contrato numa fase mais avançada do processo». Abordando o tema, e depois de lembrar que a actual lei prevê a «liberdade de revogação do consentimento antes da aplicação da técnica de procriação medicamente assistida», Paula Santos questionou-se sobre as consequências da revogação do consentimento durante a gravidez ou depois do nascimento da criança. «Quem fica responsável pela criança, quando o contrato é quebrado por vontade dos beneficiários? Ou quando é quebrado pela gestante, que se nega a entregar o bebé?», inquiriu a parlamentar do PCP.

Daí concluir que o texto da lei continua a não dar resposta a estas questões, tal como continua a não responder às questões da fiscalização da motivação dos contratos, não afastando por completo a possibilidade de instrumentalização do corpo humano com motivações económicas, em particular do corpo da mulher e dos órgãos de reprodução».

 

 

 

 



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