Permanecer ou ficar?
Enquanto os britânicos votavam pela saída do seu país da União Europeia, por cá a confiança num outro resultado reinava. A realidade acabou por se impor, e o resultado saiu fora do guião que os media portugueses muito fizeram por cumprir. Como o fez a RTP, ao dar como opções em aberto o «ficar» ou «permanecer» na União Europeia, numa mensagem muito pouco subliminar. Um caso em que uma imagem explica melhor que mil palavras a teoria das inevitabilidades que por cá domina a imprensa.
A noite eleitoral teve análises variadas. Por exemplo, na SIC Notícias o debate foi plural, mas quanto baste: Mariana Mortágua (BE), Adolfo Mesquita Nunes (CDS), Miguel Morgado (PSD) e João Galamba (PS). No dia seguinte, no Expresso da Meia-Noite, foram Francisco Louçã, Bagão Félix, Pedro Santana Lopes e António Vitorino. Os nomes mudam, os partidos não. Nem muda a ausência clara de quem, desde há longos anos, se opõe a visões federalistas e à imposição de uma União Europeia construída à margem dos interesses dos povos.
Mas como já vem sendo um infeliz hábito, não foi caso isolado. Já se sabia que a TVI seria palco para o mais recente especialista em política internacional, o irrevogável Paulo Portas. Mas a estação, numa visão distorcida do que entende por pluralismo, decidiu convidar o mesmo Louçã que, depois de ter estado na SIC Notícias no dia anterior a comentar a Caixa Geral de Depósitos, lá voltaria nessa noite.
A RTP, mais plural na noite e madrugada eleitoral britânica, reservou ao Brexit a última segunda-feira à noite e o auto-denominado «maior debate da televisão portuguesa» que é o Prós e… Prós. Um painel com a secretária de Estado para os Assuntos Europeus, Margarida Marques, o comissário europeu português, Carlos Moedas, o ex-ministro do PSD, Miguel Poiares Maduro e o irrelevante, mas omnipresente, Rui Tavares.
O que têm em comum todas estas opções? A exclusão descarada do PCP e da única voz que desde a primeira hora condenou ingerências, rejeitou o discurso do medo e do desastre. A única força que sublinhou a derrota do processo de integração capitalista na Europa em vez de agitar sentimentos xenófobos e reaccionários.
O referendo britânico foi mais um episódio em que os órgãos de comunicação social nada contribuíram para o esclarecimento. Antes da votação foram caixa de ressonância do capital financeiro e dos grandes grupos económicos. Lembramos que o Público deu voz ao dono, literalmente, quando transformou em notícia um comunicado conjunto de grandes empresas europeias, entre elas a Sonae, onde se pronunciavam pela permanência do Reino Unido na União Europeia.
Continuaram a sê-lo depois dos votos contados e dos resultados serem evidentes, quando preferiram destacar as jogadas de especuladores com a taxa de câmbio da libra esterlina ou eventuais referendos por cá, mesmo que ninguém saiba para quê nem em que condições.