O assalto do céu

Albano Nunes (Membro do Secretariado)

A Comuna de Paris ocupa um lugar de primeiro plano na história do movimento operário e comunista internacional, pois se trata da primeira vez que o proletariado se lançou à conquista do poder e o exerceu, embora por um curto período de tempo, de 18 de de Março a 28 de Maio de 1871.

Os caminhos da revolução não são nem fáceis nem lineares

As tradições revolucionárias do povo e de classe operária francesa são conhecidas. Não foi casual que Lénine tenha colocado o socialismo francês como uma das «três fontes e três partes constitutivas do marxismo». Na sequência da grande revolução de 1879 em que o seu carácter popular foi traído pela burguesia, o proletariado francês cresceu, entrou na luta com as suas reivindicações específicas, afirmou a sua independência em relação à burguesia, criou as suas próprias organizações de classe. A Comuna de Paris insere-se neste processo de crescimento e amadurecimento do movimento operário e revolucionário francês e internacional.

A Comuna foi obra inédita e criadora das massas trabalhadoras na luta em defesa dos seus interesses vitais e por seculares aspirações libertadoras. Ela surge no contexto da guerra franco-prussiana desencadeada por Napoleão III. Perante a pusilanimidade e traição da burguesia diante das tropas de Bismarck que cercam a capital, o proletariado parisiense subleva-se e chama a si a defesa da França. O Império é derrubado e restaurada a República. A classe operária toma o poder na capital enquanto o governo reaccionário de Thiers se refugia em Versalhes. Cercada pelas tropas de Thiers e de Bismarck a Comuna empreende uma luta titânica para defender Paris e organizar a vida da cidade. Mas a desproporção de forças é colossal e apesar de medidas corajosas e de grande alcance progressista (direitos dos trabalhadores e das mulheres, separação da Igreja do Estado, ensino público e muitas outras) verificam-se dificuldades e limitações – como deixar a Banca intocada ou subestimar a aliança com o campesinato – que se revelaram fatais, evidenciando a necessidade de criar partidos capazes de dirigir a revolução proletária.

A Comuna durou apenas 72 dias e terminou com uma terrível carnificina. O cemitério do Père-Lachaise onde foram fuzilados os últimos communards conserva a memória de uma das mais cruéis manifestações de ódio e vingança de classe que a História regista. Mas apesar da sua curta duração, pela sua orientação democrática e realizações revolucionárias, a Comuna mostrou pela primeira vez ao mundo que havia um caminho alternativo à exploração capitalista, um caminho de imensa superioridade política e moral que era possível trilhar pela força da organização e da luta das massas.

Experiências e lições

A Comuna foi derrotada mas deixou na história do movimento operário um sulco muito profundo. As experiências e lições que comporta são de um imenso valor pois correspondem a um processo vivo, criador em que as massas em movimento rasgam os horizontes do futuro. Marx esteve desde o primeiro momento em contacto estreito com os membros da Associação Internacional dos Trabalhadores que participaram na Comuna. A sua obra «A guerra civil em França», escrita ao calor dos acontecimentos, observando a epopeia do proletariado parisiense, não com os critérios apriorísticos e esquemáticos daqueles que diziam que os trabalhadores «não deviam ter tomado o poder», mas com as fortes lentes do materialismo dialético e histórico, tirou da Comuna ensinamentos que permitiram desenvolver teses fundamentais, nomeadamente em relação à questão do Estado, questão que mais tarde Lénine desenvolveria em «O Estado e a Revolução» e que, a propósito do Programa do Partido para a Revolução Democrática e Nacional, o camarada Álvaro Cunhal trata em «O Estado questão central de cada revolução».

Aqui fica este brevíssimo apontamento sobre um acontecimento que nenhum comunista deve desconhecer. Para honrar a memória daqueles que ousaram lançar-se ao «assalto do céu». Mas sobretudo para contribuir para a compreensão da própria situação nacional e internacional em que hoje intervimos. Os caminhos da revolução não são nem fáceis nem lineares. A luta pela transformação progressista e revolucionária da sociedade é feita de avanços e recuos, vitórias e derrotas, alternância de períodos de exaltante avanço e de dramático recuo contra-revolucionário. Mas o sentido do desenvolvimento histórico é o do progresso social, do socialismo e do comunismo. As dificuldades são muito grandes, mas grandes perigos coexistem com grandes potencialidades pois a superação revolucionária do capitalismo é uma exigência mais actual do que nunca. O mais importante para um comunista é não perder a perspectiva, não a dissociando do seu empenho na realização das tarefas imediatas e objectivos programáticos do Partido, é manter a confiança no papel insubstituível e criador da classe operária e das massas, é cuidar do Partido de vanguarda e estar sempre lá onde pulsa a luta de classes, pronto para o recurso a todas as formas de luta que a situação exigir.

 



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