Direito de escolha
As contradições em que se enredam os defensores do Estado mínimo e das propaladas virtudes da iniciativa privada geram situações deveras caricatas, que só não caem no ridículo por os protagonistas terem via aberta na generalidade dos órgãos de comunicação social que lhes reproduzem o discurso como se de verdades absolutas se tratasse.
O exemplo mais recente é o do chamado «direito de escolha» com que PSD e CDS enchem a boca para defenderem os interesses dos estabelecimentos de ensino privado... pago pelo Estado.
Metendo no mesmo saco situações distintas – caso de escolas que suprem efectivamente necessidades a que o Estado ainda não conseguiu dar resposta e de escolas que de facto se sobrepõem desnecessariamente à rede pública – e omitindo convenientemente o papel devastador do governo PSD/CDS no esvaziamento e liquidação dessa mesma rede, é vê-los a usar aquele «argumento» para que o ensino privado continue a prosperar... à conta do erário.
Esquecida a tese do «utilizador/pagador» tão em voga quando se tratou de cobrar mais por cada utilização do bem público que já todos pagam com os respectivos impostos, e incapazes de justificar por que razão deve o Estado financiar privados negócios, eis que trouxeram à liça o «direito de escolha», convenientemente embrulhado, quem diria!, no texto da Constituição. Como se o princípio constitucional do direito ao ensino, pago por todos, pudesse ser confundido com as escolhas individuais dos que preferem o privado. Como se o direito de escolha de uns tivesse de ser financiado por todos. Como se o negócio lucrativo de uns quantos, porque é disso que se trata, tivesse de ser pago por todos os outros.
É chocante, para não dizer outra coisa, a forma como quem tanto despediu no passado recente, designadamente professores, agita hoje o espectro do desemprego de professores no ensino privado, como se não fossem os mesmos profissionais. E é no mínimo obsceno que quem não teve pejo em fechar escolas e pôr alunos a percorrer quilómetros para chegar à escola, venha agora carpir lágrimas de crocodilo pelas criancinhas que, tendo escolas públicas, não precisam das privadas.
Estes senhores ainda não perceberam que foi o direito de escolha dos portugueses que correu com eles.