40 anos da Constituição de Abril

Força inspiradora de futuro

A ideia de que «Por­tugal tem fu­turo com a Cons­ti­tuição de Abril» é, se­gu­ra­mente, uma das que me­lhor ex­prime o sen­tido aglu­ti­nador e de pro­gresso, a con­fi­ança, a força co­lec­tiva que emana da Lei Fun­da­mental, texto in­dis­so­lúvel da Re­vo­lução do 25 de Abril e que as­sume ter por ho­ri­zonte a cons­trução de uma so­ci­e­dade me­lhor, mais justa e so­li­dária.

Não obs­tante a con­ti­nuada ofen­siva contra os di­reitos e as con­quistas al­can­çadas pelos tra­ba­lha­dores e o povo, a ver­dade é que as forças re­ac­ci­o­ná­rias nunca con­se­guiram su­primir um «con­junto de prin­cí­pios e normas» que são ga­rante e «dão su­porte a um ver­da­deiro pro­jecto de de­sen­vol­vi­mento so­be­rano do País».

Em Abril de 2014, in­ter­vindo na ini­ci­a­tiva de ani­ver­sário da Cons­ti­tuição, Je­ró­nimo de Sousa cons­ta­tava essa re­a­li­dade e des­ta­cava o facto de aquelas forças não terem con­se­guido apagar o «pro­jecto de de­mo­cracia avan­çada que a Cons­ti­tuição da Re­pú­blica pro­jecta para o fu­turo de Por­tugal».

Mais, lem­brava o Se­cre­tário-geral do PCP, a Cons­ti­tuição con­tinua a ser «das mais pro­gres­sistas da Eu­ropa», onde se ins­crevem «im­por­tantes di­reitos po­lí­ticos, eco­nó­micos, so­ciais e cul­tu­rais», nela sub­sis­tindo os prin­cí­pios da so­be­rania po­pular, «vi­sando a re­a­li­zação da de­mo­cracia eco­nó­mica, so­cial e cul­tural e o apro­fun­da­mento da de­mo­cracia par­ti­ci­pa­tiva».

Normas e prin­cí­pios que se en­tre­tecem num todo co­e­rente, que acolhe e ga­rante as mais am­plas li­ber­dades e di­reitos, sempre num ho­ri­zonte de jus­tiça so­cial e pro­gresso, ele­vando a nossa Lei Fun­da­mental à ca­te­goria de um corpo único de va­lores que com­porta em si a força de um pro­jecto de fu­turo. Como adi­ante se verá. O que ex­plica, aliás, a razão pela qual é tão ata­cada e sus­cita tanto ódio e raiva por parte das classes do­mi­nantes.

Prin­cí­pios fun­da­men­tais

Em ma­téria de re­la­ções in­ter­na­ci­o­nais, por exemplo, o texto cons­ti­tu­ci­onal afirma que Por­tugal se rege, entre ou­tros dis­po­si­tivos, pelo res­peito dos di­reitos hu­manos, dos di­reitos dos povos, da igual­dade entre os es­tados, da so­lução pa­cí­fica dos con­flitos. E pre­co­niza a abo­lição do im­pe­ri­a­lismo, do co­lo­ni­a­lismo e de todas as formas de agressão, nela se de­fen­dendo si­mul­ta­ne­a­mente o de­sar­ma­mento geral e a dis­so­lução dos blocos po­lí­tico-mi­li­tares.

Já no plano das ta­refas fun­da­men­tais do Es­tado, é ex­presso o pro­pó­sito de «pro­mover o bem-estar e a qua­li­dade de vida do povo e a igual­dade real entre os por­tu­gueses, bem como a efec­ti­vação dos di­reitos eco­nó­micos, so­ciais, cul­tu­rais e am­bi­en­tais».

«Todos os ci­da­dãos têm a mesma dig­ni­dade so­cial e são iguais pe­rante a lei», pro­clama a Cons­ti­tuição no plano dos di­reitos, li­ber­dades e ga­ran­tias, onde vá­rios ar­tigos as­se­guram, por exemplo, o di­reito de todos à Jus­tiça, o di­reito à vida – «a vida hu­mana é in­vi­o­lável», diz o ar­tigo 24.º –, o di­reito à li­ber­dade e à se­gu­rança. Como ga­ran­tidas são a li­ber­dade de im­prensa, o di­reito de reu­nião e ma­ni­fes­tação, ou a li­ber­dade de as­so­ci­ação.

Di­reitos ina­li­e­ná­veis

Em ma­téria de di­reitos eco­nó­micos, so­ciais e cul­tu­rais, no texto cons­ti­tu­ci­onal pode ler-se que «todos têm di­reito ao tra­balho», ca­bendo ao Es­tado, para cum­prir tal de­sígnio, a «exe­cução de po­lí­ticas de pleno em­prego». Ou­tros di­reitos dos tra­ba­lha­dores têm igual­mente con­sa­gração cons­ti­tu­cioal, como sejam à re­tri­buição justa, à «pres­tação do tra­balho em con­di­ções de hi­giene, se­gu­rança e saúde, à con­ci­li­ação da vida pro­fis­si­onal com a vida fa­mi­liar, «ao re­pouso e aos la­zeres».

Não menos re­le­vantes são ou­tros di­reitos e de­veres so­ciais que a Cons­ti­tuição con­sa­grou, como o di­reito à se­gu­rança so­cial e à saúde (este por via de um Ser­viço Na­ci­onal de Saúde uni­versal, geral e ten­den­ci­al­mente gra­tuito), o di­reito a uma ha­bi­tação con­digna, o di­reito a um am­bi­ente eco­lo­gi­ca­mente sus­ten­tável, a pro­tecção da fa­mília, à pro­tecção da ma­ter­ni­dade e da pa­ter­ni­dade, do di­reito à edu­cação e à cul­tura, as­se­gu­rando a gra­tui­ti­dade do en­sino na es­co­la­ri­dade obri­ga­tória e o seu ca­rácter pro­gres­si­va­mente gra­tuito nos res­tantes graus de en­sino.

Ao ser­viço das pes­soas

A «su­bor­di­nação do poder eco­nó­mico ao poder po­lí­tico de­mo­crá­tico» é uma das dis­po­si­ções que fi­gura no do­mínio da or­ga­ni­zação eco­nó­mica, área onde a Cons­ti­tuição con­tinua a atri­buir ao Es­tado im­por­tantes mis­sões e de ca­rácter pri­o­ri­tário, como sejam a de elevar o bem-estar so­cial e eco­nó­mico, a qua­li­dade de vida das pes­soas, a jus­tiça so­cial e a ga­rantia da igual­dade de opor­tu­ni­dades, bem como a co­esão eco­nó­mica e so­cial de todo o ter­ri­tório.

Des­taque também para a ga­rantia que é dada à co­e­xis­tência de três sec­tores de pro­pri­e­dade dos meios de pro­dução (pú­blico, pri­vado e co­o­pe­ra­tivo e so­cial) e, noutro as­pecto, para a im­po­sição de que o in­ves­ti­mento es­tran­geiro seja dis­ci­pli­nado em ordem a de­sen­volver o País, de­fender a so­be­rania e os in­te­resses dos tra­ba­lha­dores.

Dis­po­si­tivos cons­ti­tu­ci­o­nais para o au­mento da pro­dução na agri­cul­tura e na in­dús­tria, bem como para o «apoio às pe­quenas e mé­dias em­presas», en­con­tram-se no ar­ti­cu­lado do texto cons­ti­tu­ci­onal no ca­pí­tulo das po­lí­ticas agrí­cola, co­mer­cial e in­dus­trial, res­sal­tando, na área fi­nan­ceira e fiscal, entre os ob­jec­tivos desta, uma «re­par­tição justa dos ren­di­mentos e da ri­queza», vi­sando o IRS, em par­ti­cular, a «di­mi­nuição das de­si­gual­dades».

Or­ga­ni­zação do poder po­lí­tico

No que toca à or­ga­ni­zação do poder po­lí­tico, a Cons­ti­tuição afirma, logo à par­tida, que o poder per­tence ao povo, sendo ga­ran­tida a se­pa­ração e in­ter­de­pen­dência entre os ór­gãos de so­be­rania. Ga­ran­tida pelos co­mandos cons­ti­tu­ci­o­nais é a in­de­pen­dência dos tri­bu­nais (su­jeitos apenas à Lei), e a au­to­nomia do Mi­nis­tério Pú­blico, com o seu es­ta­tuto pró­prio.

No que se re­fere à or­ga­ni­zação do Es­tado, o texto cons­ti­tu­ci­onal con­sagra a exis­tência das au­to­no­mias re­gi­o­nais, do poder local de­mo­crá­tico, das re­giões ad­mi­nis­tra­tivas.

Uma ad­mi­nis­tração pú­blica ao ser­viço do in­te­resse pú­blico, des­bu­ro­cra­ti­zada e pró­xima das po­pu­la­ções é o que de­ter­mina outro dis­po­si­tivo cons­ti­tu­ci­onal, sendo, ainda, num outro ar­tigo, con­fe­rido aos ci­da­dãos o «di­reito de ser in­for­mados pela ad­mi­nis­tração».

No que se re­fere à de­mo­cracia par­ti­ci­pa­tiva, a Cons­ti­tuição de­dica um ca­pí­tulo às or­ga­ni­za­ções de mo­ra­dores, re­co­nhe­cendo a exis­tência de Co­mis­sões de Mo­ra­dores como forma de or­ga­ni­zação de base do poder local, com di­reito de pe­tição pe­rante as au­tar­quias lo­cais quanto a as­suntos do seu in­te­resse.
 

Di­reitos la­bo­rais

No plano dos di­reitos dos tra­ba­lha­dores a Cons­ti­tuição não é neutra e as­sume de forma inequí­voca a sua de­fesa, ou seja, toma par­tido por aquela que é a parte mais des­pro­te­gida na re­lação la­boral.

E tanto assim é que lhes con­feriu dig­ni­dade e os in­cluiu no Tí­tulo dos «Di­reitos, Li­ber­dades e ga­ran­tias», de­di­cando-lhes um ca­pí­tulo – Ca­pí­tulo III – Di­reitos, Li­ber­dades e Ga­ran­tias dos Tra­ba­lha­dores, onde se en­con­tram ver­tidos ao longo de cinco ar­tigos, entre ou­tros as­pectos, a ga­rantia da se­gu­rança no em­prego, os di­reitos de in­ter­venção das co­mis­sões de tra­ba­lha­dores na vida das em­presas, a li­ber­dade sin­dical como forma de as­se­gurar a cons­trução da uni­dade dos tra­ba­lha­dores na de­fesa dos seus in­te­resses, o di­reito do exer­cício de ac­ti­vi­dade sin­dical nas em­presas, os di­reitos das as­so­ci­a­ções sin­di­cais (no­me­a­da­mente quanto à con­tra­tação co­lec­tiva), o di­reito à greve e a proi­bição do lock-out.

 



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