40 anos da Constituição de Abril

Os direitos estão cá!

É na revisão de 1989, com o cavaquismo imperante e o PS enredado nas suas cedências, que a Constituição sofre um dos mais violentos ataques. Atingida é sobretudo a área económica, embora os estragos se tenham feito sentir também no campo social.

São eliminados o princípio da irreversibilidade das nacionalizações (estabelecendo a reprivatização da titularidade ou de direitos de exploração dos meios de produção e outros bens nacionalizados) e a referência constitucional à Reforma Agrária (a transferência da posse útil da terra aos que nela trabalham através da expropriação dos latifúndios e explorações capitalistas).

Marca negativa que ficou desta segunda revisão constitucional foi também a introdução do carácter tendencialmente gratuito do Serviço Nacional de Saúde (SNS), expediente usado para abrir a porta às taxas moderadoras. Desde aí o custo suportado pelos utentes foi sempre a aumentar, desmentindo a garantia de PS e PSD de que o «tendencial» apontaria para a gratuitidade.

Mas sendo verdade que a Constituição sofreu ao longo dos processos de revisão fortes investidas que a mutilaram em domínios essenciais no plano económico, por acção das forças políticas que em sucessivos governos executaram a política de direita, agindo inclusivamente à margem da lei (por violação, omissão ou não efectivação do preceituado na Lei Fundamental), é igualmente um facto indesmentível que as forças mais conservadoras no plano dos direitos dos trabalhadores e na área social nunca conseguiram, como pretendiam, levar a água ao seu moinho. Apesar de todas as tentativas – e foram várias –, e não obstante aqui ou ali terem feito mossa, o que é indesmentível é que os direitos não foram eliminados, estão cá, são elementos constitutivos do regime democrático como o direito ao trabalho com direitos, o direito à saúde, ao ensino, à segurança social, à justiça social.

Revisões constitucionais
- Uma história de ataques e resistência

Eleitos a 25 de Abril de 1975 por sufrágio directo e universal, na primeira e mais concorrida eleição livre em Portugal (91% dos cidadãos recenseados), os 250 deputados constituintes tiveram como única e exclusiva missão redigir a Constituição, tarefa que viria a estar concluída dez meses depois com a sua aprovação a 2 de Abril de 1976.

Saída da Revolução de Abril, a Constituição rompeu com a concepção anterior do Estado fascista e implantou um regime baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização política democrática, no respeito e na garantia de efectivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, visando a realização da democracia económica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa».

Desde então, foram sete os processos de revisão a que a Lei Fundamental foi sujeita. Subjacente, em todos eles, o intuito das forças conservadoras de esvaziar o seu sentido avançado e emancipador através de alterações que representaram uma linha de regressão e retrocesso em aspectos fulcrais das conquistas democráticas, sociais e políticas obtidas pelo povo português após a Revolução do 25 de Abril.

Todas as revisões – pelo conteúdo e pela forma – foram assim, no essencial, executadas sob o impulso não do aperfeiçoamento e melhoria da Constituição mas do seu empobrecimento, amputando-a de elementos centrais da nova estrutura económica criada com a Revolução e de direitos sociais e laborais.

Como sublinhava Jerónimo de Sousa em entrevista ao Avante! por ocasião do 30.º aniversário da Constituição (30/3/2006), aludindo às revisões constitucionais negociadas entre o PS e o PSD, com o apoio do CDS, «aquilo que teve uma perspectiva estratégica foi de facto a liquidação da nova estrutura económica criada com a Revolução – isso é que era determinante, a devolução do poder económico ao grande capital – para de seguida, obviamente, com as revisões, sobretudo na de 1997, dirigir o ataque contra os direitos dos trabalhadores, designadamente o direito à greve (através da chamada criação dos serviços mínimos)».

Cronologia

1982 – Extinção do Conselho da Revolução; diminuição de poderes do Presidente da República; criação do Tribunal Constitucional.

1989 – Esvaziamento dos limites materiais, com o fim da irreversibilidade das nacionalizações e do «princípio da apropriação colectiva dos principais meios de produção e solos»; eliminação de referência à Reforma Agrária.

1992 – Adaptação do texto constitucional aos princípios do Tratado de Maastricht.

1997 – Redução do número de deputados e admissão de círculos uninominais; constitucionalização de limitações do direito à greve; eliminação da referência à obrigatoriedade do serviço militar.

2001 – Adaptação para aprovar Convenção que criou o Tribunal Penal Internacional, tornando possível a extradição de portugueses.

2004 – Introdução de artigo com norma que subordina a legislação portuguesa, incluindo a própria Constituição, ao direito comunitário; aprofundamento da autonomia político-administrativa das regiões autónomas dos Açores e Madeira.

2005 – Aditamento de novo artigo para possibilitar a realização de referendo sobre a aprovação da mal chamada «Constituição Europeia».




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