Liliana e os seus sete filhos

Anabela Fino

A história de Liliana Melo e dos seus sete filhos tornou-se conhecida quando o caso chegou à comunicação social, já lá vão vários anos. Cabo-verdiana a viver em Portugal há mais de duas décadas, Liliana não cometeu qualquer crime, mas em 2012 um tribunal de Sintra mandou retirar-lhe os filhos, para adopção. Por maus tratos? Não. Por violência doméstica? Não. Por desamor? Não. Qual então o motivo que ditou tão brutal decisão, mesmo tendo sido provado – e foi – a existência de «fortes laços afectivos» entre mãe e filhos? A resposta dói e envergonha: Liliana é pobre. Liliana não tem meios para prover todas as necessidades dos filhos, embora os ame muito. Liliana tem pouco, ou quase nada, para além desse bem precioso que são os filhos.

E a Justiça portuguesa ditou que Liliana também não tem direito aos filhos. Mais, decidiu punir Liliana por recusar laquear as trompas, conforme lhe foi proposto em 2009 pelos serviços sociais num «acordo» que a Justiça nem sequer questionou.

Como se isso fora pouco, a sentença ditou ainda que os filhos de Liliana também não tinham direito à mãe (o mais novo tinha apenas sete meses e o mais velho dez anos), pelo que não podiam vê-la, tal como não tinham direito a manter laços fraternais, pelo que foram separados por três instituições de acolhimento distintas.

Não consta desta história que tivesse ocorrido à Segurança Social e aos doutos juízes que Liliana precisava de ajuda e não de punição. Talvez os intervenientes no processo estivessem mesmo convencidos de que Liliana respiraria de alívio ao ver-se livre da «carga» pesada da prole. Afinal, pobre é pobre... pode lá dar-se ao luxo dos sentimentos! Enganaram-se.

Com a ajuda de advogadas que o seu sofrimento cativou, o caso de Liliana fez a via sacra da Justiça portuguesa, sem sucesso, e acabou no Tribunal Europeu dos Direitos do Homem. A sentença do TEDH chegou agora e é arrasadora: houve violação repetida de direitos humanos, o interesse das crianças não foi acautelado, a mãe não foi ajudada, pelo que há que rever o processo e garantir os direitos da mãe e dos menores.

Liliana reviu os filhos ao fim de quatro anos, mas ainda espera a decisão do Tribunal Constitucional. Com a de esperança de que ao invés de punir a pobreza a Justiça sirva para a combater.

 



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