A década da Bolívia

Luís Carapinha

O actual processo na Bolívia possui raízes históricas

A revolução na Bolívia celebra este mês o 10.º aniversário em ambiente de campanha para o referendo de 21 de Fevereiro sobre a proposta da emenda constitucional de reeleição por dois mandatos do presidente e vice-presidente.

Evo Morales chegou ao Palacio Qemado a 22 de Janeiro de 2006, tornando-se o primeiro Presidente de origem indígena da América do Sul. Uma vitória do Sim no referendo do próximo mês permitiria a Morales recandidatar-se em 2019 a um terceiro mandato, contado a partir da aprovação da Constituição de 2009. O referendo boliviano tem lugar num momento complexo para as forças progressistas e revolucionárias na América Latina. Contudo, importa reter que o país do Altiplano é palco de um dos processos de transformação mais marcantes dos últimos anos na região. No curto espaço de uma década impressionam, em particular, os avanços económicos e sociais alcançados, fruto de opções políticas e medidas acertadas que se situam nos antípodas do receituário do FMI e desígnios exploradores do grande capital – por exemplo, em vez de privatizações, foram nacionalizados sectores estratégicos da economia. O resgate dos instrumentos da soberania, a redução significativa da pobreza e das desigualdades, o saneamento das contas públicas, o incremento do investimento estatal e o aumento sustentado do PIB são alguns dos elementos mais salientes da folha de serviços do processo emancipador boliviano. Perante a evidência dos números, nem as agências do imperialismo se atrevem a negar os sucessos económicos alcançados pelo Executivo de La Paz. Embora a comunicação social dominante continue a optar, com raras excepções, pelo silenciamento da experiência boliviana. As acções para desestabilizar e derrubar a revolução boliviana vão prosseguir.

O actual processo na Bolívia possui raízes históricas e populares profundas, em que pontificam a revolução de 1952 e o governo progressista de Juan Torres no início dos anos 70 (que caiu às mãos da Operação Condor). O triunfo do Movimento ao Socialismo (MAS) nas presidenciais de 2005 foi o corolário de anos de intensas batalhas sociais. Bastará recordar as extraordinárias jornadas de mobilização popular de 2003, da «guerra do gás», em torno da reivindicação da exploração dos recursos naturais ao serviço do país e das populações, que enfrentaram a repressão feroz do governo neoliberal de Sánchez de Lozada, acabando por levar à sua demissão e fuga para os EUA, onde por sinal permanece. Em 2008 o imperialismo tentou executar um golpe de estado que passou, inclusive, por um cenário de divisão territorial do país. O embaixador dos EUA foi desmascarado e expulso da Bolívia. A conspiração da Meia-Lua, liderada pela grande burguesia de Santa Cruz, foi derrotada. A firmeza do governo, o apoio popular e o papel das forças armadas afiguraram-se determinantes. A derrota da reacção abriu portas à consolidação da implementação do «modelo económico social comunitário produtivo – cuja concepção não supõe a supressão imediata das relações capitalistas de produção, mas a transição gradual para uma economia socialista. Modelo assente numa economia mista em que o Estado chama a si o papel dirigente, cabendo um importante papel às pequenas e médias empresas e ao movimento cooperativo. A Agenda Patriótica 2025 traça como principais metas da etapa actual a erradicação da pobreza extrema, a universalização dos serviços básicos, a soberania alimentar e a industrialização.

A promoção do mercado interno e a redistribuição da riqueza produziram resultados palpáveis na última década boliviana. A reacção tenta recompor forças, apostando nos factores de divisão interna no campo do poder. A decisão de 2014 da principal central sindical, a COB, de «reencontro entre operários, camponeses e indígenas para defender e aprofundar (...) o processo de mudança» foi qualificada de «facto histórico». Um factor de confiança para as duras batalhas que se vislumbram e o devir da revolução boliviana.

 



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